domingo, 10 de maio de 2009

chuva nas idéias

Acordar com as primeiras piscadas desajeitadas e sentir o leve ardor dos olhos, se deparar com a janela entreaberta revelando um cenário cinza e chuvoso entre os prédios, é irremediavelmente inspirador pra mim. Há anos uma frase ecoava em minha memória:

"Venha a chuva e caia sobre mim,
Sobre minhas idéias...”

Composta com Leo como canção na varanda de casa, acabou como tantas outras, inacabada, perdida aos acordes do momento. Restou-me esse trecho, e nele me apeguei nesses dias molhados, e resolvi assim liquidar essa dívida com outros versos e melodias. Um ócio criativo regado a café, filme, pernas esticadas no sofá, e todas essas tranqüilas sensações privadas que dias como esses podem trazer... Tudo isso contrastou drasticamente com o quadro agoniante e confuso que se apresentava do lado de fora. Como sempre as imagens nos falam, nos revelam as palafitas que sustentam nossa cidade... Um suspiro de ridículo me subiu por trás da orelha ao notar que meu pretensioso olhar poético se alimentava justamente do que derrubava, paralisava, e transtornava tantos outros. Questionei minhas intenções, o que me instiga a criar. Questionei aquela simples idéia imperativa de que a chuva podia muito pelo contrário nos aliviar dores, securas... Que ela pulsando do céu pudesse lavar e levar gostos amargos que o cotidiano às vezes nos condiciona. Lembrei da "Rosa de Hiroshima" de Vinícios. Há de se ter muita coragem, além de talento, pra falar de tragédias tão absurdas de maneira tão sensível, bonita, agradável, sem perder o tom denunciante da palavra. Lembrei de "Guernica" de Picasso, do "Grande Ditador" de Chaplin, dos poemas de João Cabral. Todos esses clássicos exemplos de fantásticas criações que me certificam que não há maior função de um artista que potencializar a reinvenção de mundos, de se responsabilizar por eles. Lembrei de Paul Klee quando disse que a arte não reproduz o visível, mas que nos faz ver, como Bergman nos revela em "O Sétimo Selo": o artista que enxerga o lirismo em meio à constatação dos nossos maiores medos. Pra mim não existe futuro sem essa ousadia, talento... e coragem!
"Se for preciso eu repito
Porque hoje eu vou fazer
Ao meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito"
Paulinho da Viola

5 comentários:

Anônimo disse...

eu sei que vc nao sabe nao fazer. e que arte, pelo fato de ser arte mesmo, lhe deslumbra. E que essas coisas sobem o corpo...

eu não tenho nenhuma inspiraçao ou motivação criativa, e não tenho compromisso ou o que quer que seja com essa coisa de criar... e eu sei que você também não. E acho que esse é o melhor modo de se livrar da vaidade da arte.

voce é resultado da própria respiraçao. Eu sei que o que vc expira, o que coloca pra fora que tinha dentro, é arte da mais fina. pq voce nasceu assim... não precisa fazer nada.

e eu amo te ver desse jeito que voce é.

Um beijo.

Ninha disse...

docaralho .

L. disse...

Sempre achei estranho o estranhamento das pessoas quando eu dizia: "o dia está lindo!",
ao ver um céu nublado, com diversas gradações de cinza, azul escuro e outros demais nuances de um dia molhado.
Sinto que nos dias de forte chuva cresce uma melancolia em mim, um musgo de tristeza que, também, consigo perceber como uma fase linda e de grande valia para reconhecer e contemplar a chegada de meus verões, outonos e primaveras.

"Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não"

Salve Ramom e todas as suas divagações molhadas que fizeram florescer as minhas!

SONHO ESTRANHO disse...

atualiza broda!

Cinemanaveia disse...

Repensarei a chuva e todos os seus tons de cinza, depois desse texto.