Café. Foi o maldito café que me levou ao BomPreço naquela noite... Aliás, pior, açúcar. Precisava de açúcar (assassino!) no meu café com leite em pó. Já passava das uma da madrugada quando adentrei naqueles corredores cheirando a detergente, ecoando a FMica voz de Paula Toller. Um supermercado 24hrs nesse horário é quase um universo paralelo, super iluminado e suspenso no vazio medonho das ruas de cachorros e mendigos perdidos. Salvador fede mais nesse horário, quando todos os corpos deixam de se envolver, colidir... Mas eu não quero falar das esquinas fétidas da cidade. Quero falar de solidão, e um pedaço dela me esperava atrás do caixa. O nome dela era Márcia (assim quis batizá-la )... Lixava suas unhas quando encostei com minha singela cesta vermelha, Boa Noite. Sem resposta Márcia arrastou aqueles pacotes automaticamente, com olhos petrificados de um zumbi inofensivo. Ela não respondeu, apenas perguntou sobre o meu inexistente bomclube. Brinquei sobre isso, sobre eu nunca ter tido esse tal bomclube. Ela sorriu brevemente percebendo como subverti o diálogo que normalmente se instaura entre os zumbis (consumidor/caixa). Levemente levantou a sobrancelha esquerda e puxou assunto. Logo falou sobre como não gostava daquele tempo chuvoso, do número de baratas que circulava por ali, do medo de esquecer certas coisas, da saudade dos pais no interior, sobre morar sozinha... Sobre como preferia ficar no trabalho a estar em casa. Como assim?, pensei. Olhei ao redor, no fundo só estava Ruan (assim quis batizá-lo) limpando o chão e cantarolando as canções da rádio. Márcia se sentia mais acolhida ali, no mundo das embalagens coloridas, números, trocos e bips, da limpeza de Ruan... Sua casa era mais vazia que aquilo.
Pontuava a conversa com algumas piadas banais, mantendo a gentileza de deixar ela falar, achando nobre aquele ato... Ouvir alguém que não conheço no fundo carrega uma certa estranheza. Captei mais melancolia, necessidade de se fazer existir em meio ao nada, enquanto que o que as palavras contavam ficava em segundo plano. Uns vinte minutos depois deixei Márcia atendendo uma galera que comprava às gargalhadas vinhos e latinhas de cerveja. Ouvi um Boa Noite de Márcia pra essa galera.
Sorri. Enquanto olhava minha sacola amarelada na escada percebi que havia esquecido o bendito açúcar (assassino). Lamentei, deixei pra lá. Atravessei a rua, lamentei o cheiro. Abri a porta e ninguém em casa tornou o texto de Márcia ainda mais latente. As palavras passaram prum primeiro plano, e o café amargo me deixou ainda mais existencialista. Sentei no sofá pensando em todas as possibilidades de solidão mais distantes - Tragadas de cigarro na janela por uma mulher recém separada/ O olhar congelado do garçom num espelho de um bar/ O latido pro nada de um cachorro num quintal/ Uma xícara de café amarga e fria em minha mão. - Parece que as pessoas temem o ''Só'' por essa condição lembrar das dívidas próprias mais urgentes, do que deixou de ser feito, resolvido realmente.
A gente passa vida conhecendo gente, conversando, tentando dar sentido a tudo, mas são poucos os que realmente ouvem. É difícil calar. Poucos os que reconhecem uma cor, um cheiro, um silêncio e que ainda tem a sorte de experimentar na própria solidão algum sabor... Existindo insistentemente, pleno em meio ao nada.
Pontuava a conversa com algumas piadas banais, mantendo a gentileza de deixar ela falar, achando nobre aquele ato... Ouvir alguém que não conheço no fundo carrega uma certa estranheza. Captei mais melancolia, necessidade de se fazer existir em meio ao nada, enquanto que o que as palavras contavam ficava em segundo plano. Uns vinte minutos depois deixei Márcia atendendo uma galera que comprava às gargalhadas vinhos e latinhas de cerveja. Ouvi um Boa Noite de Márcia pra essa galera.
Sorri. Enquanto olhava minha sacola amarelada na escada percebi que havia esquecido o bendito açúcar (assassino). Lamentei, deixei pra lá. Atravessei a rua, lamentei o cheiro. Abri a porta e ninguém em casa tornou o texto de Márcia ainda mais latente. As palavras passaram prum primeiro plano, e o café amargo me deixou ainda mais existencialista. Sentei no sofá pensando em todas as possibilidades de solidão mais distantes - Tragadas de cigarro na janela por uma mulher recém separada/ O olhar congelado do garçom num espelho de um bar/ O latido pro nada de um cachorro num quintal/ Uma xícara de café amarga e fria em minha mão. - Parece que as pessoas temem o ''Só'' por essa condição lembrar das dívidas próprias mais urgentes, do que deixou de ser feito, resolvido realmente.
A gente passa vida conhecendo gente, conversando, tentando dar sentido a tudo, mas são poucos os que realmente ouvem. É difícil calar. Poucos os que reconhecem uma cor, um cheiro, um silêncio e que ainda tem a sorte de experimentar na própria solidão algum sabor... Existindo insistentemente, pleno em meio ao nada.