quinta-feira, 27 de maio de 2010

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Recife Frio – Por uma ciranda de todos

Logo na primeira imagem de Recife Frio percebemos que o diretor e crítico pernambucano Kleber Mendonça Filho parece buscar encaminhar seu curta-metragem através de uma espécie de estética do clichê. Como nas típicas ficções científicas apresenta um primeiro letreiro “Daqui há alguns anos…”, que logo se converte em um programa televisivo, mesclando estratégias documentais e ficcionais. Notadamente interessado em subverter tais gêneros cinematográficos Kleber conduz sua inusitada história, onde a capital pernambucana é tomada por uma brusca mudança climática, após a queda de um meteorito na praia.
O frio invade a cidade e traz consigo também a possibilidade de questionar o modo como as pessoas viviam antes e quais estratégias para lidar com a nova situação. A habilidade criativa do filme ao fazer uso de vários elementos narrativos e estéticos intensificam a elaboração de uma audaciosa crítica sobre os costumes e valores desses habitantes, de como desenvolvem suas relações e contatos. A intensa especulação imobiliária, as relações de classe, o consumo, o shopping center como espaço de socialização, entre outros elementos que a cidade reproduzia não parecem mudar como o clima, apenas variam os modos de manter uma mesma lógica cotidiana. Essa interpretação do diretor da cidade é carregada de irônia, um humor que surge justamente do lugar mais evitado: as ruas. A rua dos repentistas, do artesanato, da feira livre.
Onde estão as pessoas?, pergunta o repórter em espanhol. O modelo de reportagem televisiva norteia o filme através de um olhar estrangeiro, não apenas da equipe de reportagem que cobre tal fenômeno, mas também é compartilhada com o francês dono de uma pousada de praia. Esse elemento discursivo além de reforçar a sensação de frieza também questiona uma visão turística e comercial na qual a cidade há muito tempo foi condicionada.
Ao final, estrapolando os limites da câmera documental e distante Kleber Mendonça parece apontar pra uma possibilidade, reaproximando com o contato simples das mãos dadas, girando em uma ciranda regida por Lia de Itamaracá, em uma praia gélida, contrastando com a cena inicial onde um violão é ensacado por uma equipe de cientistas. Essa arte fora dos enquadramentos das vitrines, dos conceitos, da estéril segregação, comunicando uma efervescência popular capaz de revelar pontos de luz e calor, mesmo diante da desumanização fria do concreto.

sábado, 22 de maio de 2010

Pequenas reflexões sobre o silêncio

-Amigos. Desejaria tê-los, ao menos que fosse um, já seria de bom desejo. Um que fosse para me distrair. Tornar-me-ia impaciente e expulsá-lo eu ia para sua casa. Seria ele entendido da minha agressão. Amigos não se queixam dessas agressões, pois a amizade sabe se proteger das feridas do ego e isso contribui uma ótima compreensão da parte deles. Nem precisam se mostrar por pensadores maçantes estes, basta o meu ato para que captem todo o universo à volta. Tenho, porém, infelicitado silêncio. Confesso-me que é bom, é meditado quando se sabe dosar na cumplicidade do equilíbrio. Porém, como às vezes se faz por amigo, agora o mando para o inferno calamitoso, e ele me responde com ele próprio: o silêncio. Sinto-me desajeitado, falta-me a honra que sempre me fiz gabar. Ausenta-me o brilho dos olhos de quando era um infantil, o que tenho a estes é a secura de um abestalhado. O silêncio, agora volto a uma nova reflexão sobre este que me apareceu neste segundo, é o eco de si próprio. Quero dizer que nada nele ressona e se grito no seu interior, nada da minha voz é ecoada. O silêncio é imbatível, possui constituído nele, pelas forças da natureza, a barreira inquebrável e suprema, dominante e macabra. O silêncio é silencioso. Venho a pensar também que o silêncio não é a falta de som, o que é elegantemente impossível, porém é o conjunto de sons que já nos são imperceptíveis e insignificantes. Um galo do meu vizinho me canta um “Glogó” em bom som, alto demais para ser imperceptível, sempre às quatro da madrugada, mas já é por mim decretado silêncio. Se ele canta, eu já sei que se trata do galo “Glogó” do vizinho, com o mesmo “Glogó” decorado e cantado da mesma forma. Porém se um dia o galo, por desânimos da vida, morrer, o que parece ser a lacuna para o silêncio – a falta de sua cantoria em “Glogó” – torna-se um sábio barulho da ausência. O silêncio, contradigo-me à idéia anterior - mas sem desprezá-la - é barulho.


-Sou um bom desocupado. Sinto-me auto venerado por isso. Outrora me coloquei disposto à concentração do barulho dos pássaros. Deitei-me no pé da árvore, servia esta de morada para uns tantos pássaros, que eram estes em quantidade bastante para que me servisse o experimento. O som dos pássaros era só o som deles mesmos. Deleitei-me, após cansativos tempos de apreciação, em não mais ouvi-los como pássaros. Era agora o canto dos ratos se acasalando. Após reflexivos tempos de apreciação, o que era o canto dos roedores transformou-se em choro canino, em canto dos pneus freados... o susto que tomei, tomei o tal como embalo para novas surpresas. É verdade, não posso esconder os fatos, que o canto dos pneus freados persistiu com muita vontade de não sair da minha mente. Porém seguiram-se horas - até dias, para quem crê num pouco de absurdo verdadeiro e que o tempo seja tão relativo – e eu já era capaz de ouvir no canto dos pássaros o barulho do mar, de crianças no piquenique, mulheres risonhas, tiroteio no velho oeste... e então, assombrei-me: o silêncio. O entusiasmo me fez esquecer-me deste, tirano impiedoso, que me fez lembrar que não tenho amigos.


-Descobri uns ontens atrás que o silêncio é a falta de significado. Tentei me impor ao meu inimigo. Passei o dia da manhã gritando, cantando e em conversas altas para mim mesmo. Não usei a arma certa. Calei-me por me achar abestalhado; também conversar comigo mesmo só me lembrou o que eu já sabia que me falta um ombro amigo. Falar e cantar perdeu significado para mim, portando virou silêncio ao me calar. Para meus vizinhos houve um significado importante, fato que não os fez entender meus gritos como silenciosos. Gritaram enraivados até os nervos, dando de volta o que os entreguei. Tive uma confiante lição de que gritar frases sem explicação nos toma como loucos, fato este que desprezo enquanto creio haver razão no meu corpo. Compreendi também que do silêncio não há fuga. Se você tenta combater faz por parecer a si mesmo como um tolo abestalhado e com vergonha do próprio ato.


Por: Sonho Estranho

sábado, 15 de maio de 2010

Pra que rimar....

Era madrugada.
Ela tocava sua barriga levemente suada, sentindo o vento lerdo do ventilador ao lado... Ia do umbigo até a ponta do nariz, riscando lento com o dedo. Depois de gozar o melhor pra ela era ficar passeando com a mão sob a barriga suada, olhando aquele teto de quarto riscado. Era a segunda vez que ouviam Caetano cantar "pra que rimar amor e dor?" naquela noite. Nos últimos tempos eles sempre ouviam Transa do Caetano enquanto transavam. Ela nem gostava daquele disco no princípio quando ele colocava pra tocar, denunciando desejos. Aos poucos ela foi se apegando a certos momentos, melodias, mudanças de tom, marcando seu prazer junto as músicas. Ficavam de You don't know me até a metade de Triste Bahia, se chupando e se arrepiando, gargalhando e falando qualquer absurdo que lhes surgisse. Era justamente quando a música ficava mais lenta que eles se aceleravam. Gostavam desses contrastes... Dançando fora do ritmo, se entregando ao descontrole. Ela sempre tentava colocar um pedaço da pele na parede ou no chão frio pra contrastar com o quente do corpo trêmulo. Quando o disco começava a tocar pela segunda vez ela já era vermelha, por cima, cantava seus gemidos quase que tão altos como os de Caetano em Nine Out Of Ten, mas sempre segurava até It's a Long Way, e logo aí um pouco depois já se cansava de limites, se largando ao prazer sem nome, no desconhecimento de si, da música, dele, da cama... tudo era uma coisa só. Era o sinal pra ele a acompanhar.
Ficavam depois curtindo seus cantos com dentes e dedos. Barriga, pé, nariz. Cantando baixinho Mora na filosofia, um pro outro, atuando ridículos pra si próprios. Pra que rimar amor e dor? Pra ela, naquele momento a música tinha se convertido em sua música favorita.
- Ouvir transa enquanto transamos... Engraçado. - Disse ela.
- Olha aí como somos pessoas descoladas, passa o óculos escuros.
- Pare, besta.
- É sério. Caetano as vezes sabe entreter.
- Mesmo tão triste.
- Sei que esse nome ele colocou na época por causa da Transamazônica, li em algum lugar.
- Pô, então é mais protesto que sexo?! Que saco...
- Vale pros dois. Sexo com protesto.
- É, boa! Se fosse assim tão bom ter prazer e ainda assim tentar mudar as coisas.
- Já foi.
- É, já... Agora parece o inverso.

Ainda trocaram algumas palavras banais. Ela se estica até não poder mais, ele da janela olha a rua molhada, ordinária como sempre lhe pareceu. Ficam ali, longe de si, ouvindo Neolithinc Man com pensamentos que sempre seguem conversas sem fins objetivos. Minutos depois de Nostalgia, se ajeitam, se banham, se deitam antes de lembrar que existe amanhecer.

- Próxima vez quero Mutantes. - Disse ela.
- Ok, podemos fazer uma revisão sexual da música popular brasileira.
- Fechado... Depois rodamos pelo mundo.

Riram juntos, dormiram.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Utopia, barbárie e nossa provável condição


Memória como espaço de luta


Meio século, duas horas.
As cenas se entrelaçam, rapidamente somos tomados pelos mais belos discursos revolucionários, as mais perversas imagens de barbárie. Isso é cinema, isso é história. Reflexão em movimento que Silvio Tendler busca nos evocar com seu último filme: Utopia e Barbárie. Haveria título mais apropriado para a nossa recente história?! (Talvez, se Hobsbawm já não tivesse utilizado a Era dos extremos)
O filme é uma efusiva interpretação de Tendler, tendo sua biografia marcada pelas transformações da segunda metade do século XX. Ao longo de quase vinte anos coletou imagens, colou com tantas outras (algumas já clássicas, outras reveladoras) construindo seu grande mosaico historiobiocinematografico. Ao se colocar como personagem do seu próprio filme o diretor reivindica seu espaço como sujeito histórico se utilizando de duas grandes ferramentas de luta: cinema e memória. Através dos mais variados relatos, alguns mais dolorosos que algumas imagens, Tendler envolve nessa memória coletiva escritores, poetas, cineastas, atrizes, pessoas comuns, entre outros, pra repensar e revisar toda essa história.
Da bomba atômica à primavera de Praga, de maio de 68 às ditaduras latino americanas o filme se entrega as contradições, reviravoltas, possibilidades do nosso tempo, que por uns instântes parecem encerradas, nos deixando apenas com um revoltado palavrão na cabeça. Uma mãe anda de um lado para outro, enlouquecida pelo trágico carrega e nina seu bebê sem cabeça em meio a guerra atordoante.

Onde estamos todos nisso tudo?!
Sentado na cadeira do cinema, tonto largado em meio a tanto, sou apenas um espectador reagindo aquilo que não vivi, mas sentindo todo aquele reflexo por cada canto da minha própria história. Utopia e Barbárie nos estimula posição, ação, exige esperança, e acima de tudo, a noção de memória que tanto é repetida ao longo da película. Questões estéticas e estruturais do roteiro parecem deixadas em segundo plano em nome dessa chamada.
Augusto Boal diz que memória e imaginação são dois processos que não se separam... então quais alternativas podemos criar a partir das nossas noções sobre esse passado? Temos alguma utopia? A geração 2000, nascida na pós-ditadura, criada com a sessão da tarde agora parece ter como maior sonho justamente aquilo que foi questionado anteriormente. Beber, cair e levantar no posto de gasolina mais próximo?! O que mais temos a oferecer ao futuro da história além de pertencer a essa zona enlatada de consumo acomodado? Até mesmo o movimento estudantil parece se perder em meio a própria artilharia, repetindo equívocos que o desespero pelo poder condicionou o ato político. As trocas de acusações continuam surdando o interesse comum.
Enquanto isso os questionamentos vão ficando ainda mais apocalípticos. Socialismo renovado ou mais barbárie dominante? Ivete ou Claudia Leite? Lento processo, respostas que o filme de Tendler sabiamente não pretende se desafiar a inventar, mas sim se incorporando como provocação, reapresentando um caos nascido da insistência por mudanças.
As revoluções seguem, agora fragmentadas na porta de casa, na ponta dos dedos, na desconfiança da imagem, no sentido dos passos. Deus, Marx, Freud, Boal e tantos outros morreram e ainda não continuamos nos sentindo muito bem??
Além dessas tantas interrogações um vasto ponto de continuação nos é entregue ao som de uma caixinha de música, e basta escolher agora a dança que irá nos ajudar a preencher e reinventar de novo, novamente e mais outra vez nossa provável condição.

por: ramon coutinho