segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Bar ruim é lindo, bicho

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso
freqüento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas
nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos
a vanguarda do proletariado, há mais de cento e
cinqüenta anos. (Deve ter alguma coisa de errado com
uma vanguarda de mais de cento e cinqüenta anos, mas
tudo bem).
No bar ruim que ando freqüentando ultimamente o
proletariado atende por Betão – é o garçom, que
cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando
resolver aí quinhentos anos de história.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos
ficar "amigos" do garçom, com quem falamos sobre
futebol enquanto nossos amigos não chegam para
falarmos de literatura.
– Ô Betão, traz mais uma pra a gente – eu digo, com os
cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto
parte dessa coisa linda que é o Brasil.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos
fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso
vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que
os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem
frango à passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que
são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem
que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando
convidamos uma moça para sair pela primeira vez,
atacamos mais de petit gâteau do que de frango à
passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas
na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do
Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer
Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que
ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de
lata, copo americano e, se tiver porção de
carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta em
nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um
de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre
um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectuais,
meio de esquerda, freqüenta, não nos contemos: ligamos
pra turma inteira de meio intelectuais, meio de
esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar
ruim.
O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando
cult, vai sendo freqüentado por vários meio
intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais
ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha
como ponto freqüentado por artistas, cineastas e
universitários e, um belo dia, a gente chega no bar
ruim e tá cheio de gente que não é nem meio
intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se
tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente,
universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz:
eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha
turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as
universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos
bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio
intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que
freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos
a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a
banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres
que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir
em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente
acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam
depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a
gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E
a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de
tudo.

Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se
dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os
que não entendem. Os que entendem percebem qual é a
nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns
primos do cunhado para tocar samba de roda toda
sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no
cardápio e aumentam cinqüenta por cento o preço de
tudo. (Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de
esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a
pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os
donos que não entendem qual é a nossa, diante da
invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica
imitando mármore, azulejam a parede e põem um som
estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a
gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas
vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão
raiz.
Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de
esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil
encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os
pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha
sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins
de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau
pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio
intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por
questões ideológicas, preferem frango à passarinho e
carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma coisa que
mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós,
meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o
Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e
preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim
Câmara Cascudo, saca?).
– Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas
quais que tem?

Texto gentilmente cedido pelo autor. Também parte
integrante do volume As Cem Melhores Crônicas
Brasileiras, organizado por Joaquim Ferreira dos
Santos.

Antonio Prata

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

“Inventei a solidão para uso puramente disciplinar, foi com ela que aprendi a criar” (Deus).

Se a ciência, em dias atuais, não estivesse, dentro do nosso ideal de desenvolvimento, tão avançada, o mundo estaria ainda cheio de profetas: de Maomés, Adãos, Evas, Noés, e (me perdoe talvez a possível ofensa, mas imagine que eu tenha falado a seguinte citação de modo tão ingênuo e despercebido) a grande estrela da história universal: Jesus. Porém, o desenvolvimento da tão raciocinada medicina está cruelmente delimitando costumes de pensar e agir. Falando mais romanticamente (e isentando um pouco este texto da linguagem tão direta e burocrática) já nascemos chorando por extrema lamentação até da tradicional maneira de nascer. É verdade que alguns poucos raros não choram, mas para não invalidar o meu argumento, chamo estes de “acomodados de nascença”. Observando mais detalhadamente, somos tão diferentes, mas tão iguais. É um fato totalmente incompreensível! Enfim, a ironia é feita de paradoxos. Não dar “bom dia” a um conhecido ou deixar de levar a maçã da semana para a professora pode ser absurdamente perigoso. E aí somos iguais, tão desinteressantes, onde há novidade nisso? Sem graça. Brotamos rebeldes, revoltados, mas após a primeira satisfação ao beber o leite quentinho da mãe, começamos a nos acostumar com a vida, afinal não vale a pena chorar se o leite vai saciar a fome. Temos olhos grandes quando bebês para que a observação do aprendizado seja mais eficaz. Vamos repetindo os atos e somos, de repente, nós! Um segundo nascimento, a natureza é perfeita (eu quis passar ironia com esta frase, mas como achei que esta não estava assim tão explícita, deixo isso claro)! No meio de tanta igualdade tediosa e da nossa assimilação repetitiva e insistente é que nos fazemos únicos e inimitáveis!

Então criamos, pelo passar dos séculos, a ciência. A ciência é tudo. A dividimos nas matérias da sabedoria. E tudo é ciência. Como se não bastasse o nosso entendimento e interpretação pura e inconscientemente, resolvemos conceituar a dita cuja. A ciência surgiu da ciência, pois foi delimitada (a partir de um conhecimento) por um conceito para que pudesse ser entendida como foi e como é ao passar dos tempos. Porém, é esta muito inteligente, e tem seu ar de vingança. A ciência (perdoe-me repetir a palavra mais uma vez, mas não vejo outra que a substitua e que tenha o mesmo significado, aceito sugestões para mudanças posteriores) mentiu e até hoje mente para o homem, numa brincadeira mutável muito divertida, aflita e muito irritante. O planeta já foi plano, como será amanhã? E os alquimistas, coitados, que passaram todos os anos da vida tentando fazer brilhar dourado os objetos! A Science (só para não repetir em português) é sádica e provou e está provando a todo o momento mais uma vez que é obviamente impossível de conceituá-la! A ciência que há em nossa mente é totalmente manipuladora, dominadora, (absoluta?), concreta... Mas a verdadeira é totalmente livre, mutante (cometi um erro em denominá-la até o que ela é!)... Será que nossa tentativa, a todo instante em nossa vida, é o de torná-la estática, uma só? Uma pergunta é sempre melhor que uma afirmação. Por isso inventamos a “Lei da Infinidade”, que consiste em haver sempre uma ou várias perguntas para cada nova resposta! E foi aí que erramos! Caso seja realmente nosso desejo tornar a scienza (em italiano, só para não repetir em inglês) “estática” e imutável, palpável, não deveríamos ter inventando essa tal “Lei da Infinidade”, as respostas não deviam vir de perguntas, mas sim de outras respostas (sem interrogações no meio)! Tenho certeza de que a primeira pergunta feita no mundo estava bem guardada, lá no fundo, na caixa de pandora. E a partir dessa surgiram todas as infinitas perguntas. Pois então, a ciência é um conjunto de afirmações. Nunca chegaremos ao alvo com as perguntas. Ao escrever esta frase, senti-me traído por mim mesmo e minhas palavras, pois acho impraticável o que acabei de dizer... E é, porque assim fomos treinados.

Criaram também a religião pelo ato da fé como tentativa para chegar a um caminho satisfatório. O primeiro postulado foi logo esperto, pois quem o criou já sabia que a nossa ciência estava toda errada desde antes, e é: fé não se mistura com ciência, religião não lida com a razão. (E a partir daí já foi criado um sistema cientifico de idéias sem nem se dar conta) O segundo, tradicionalmente concebido, tenta fazer o contrário do que tentamos fazer com a ciência (já que os dois não se misturam): evitar as perguntas! Quantas vezes já me decepcionei e me aborreci, na fase de tantas dúvidas sobre a magia da fé cristã, quando perguntava a alguém sobre tal coisa e etc, e me respondiam: “não se pergunte, esqueça as perguntas. Leia a bíblia que você vai entender tudo” A religião praticamente aboliu as perguntas, só chegando à afirmações com a ajuda de afirmações (contidas num livro sagrado). Quem inventou o ato da fé religiosa odiava a nossa ciência e conseguiu, em parte, anular o foco principal da “nossa ciência” (já dito: as perguntas). Pena que, em minha opinião, a religião foi uma ótima idéia, mas que acabou sendo corrompida por outros fatores que não tenho interesse de citar aqui.

Cuidado para não sair demais da linha do que a sociedade nos permite ser, já que somos altamente excludentes. (Posso ter pecado nesta frase, já que muitos não escolhem e até preferiam esta na linha da sociedade) Ser louco não é sair por aí, beber com os amigos e fazer insanidades juvenis. Ser louco é muito mais difícil.
por: vitor gigito

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

pra feriar...



A casa sem fim

Havia uma casa silenciosa no fim da rua
Havia um amarelo anêmico que impregnava suas paredes
Uma sublime poeira pontuando cada canto
Um rol de folhas secas, com um banco marrom sem perna

Havia um ninguém na casa
Uma solidão acompanhada de rachaduras
Fechaduras enferrujadas
Móveis tortos e largados

Sem entradas ou saídas
Ela está lá,
Quieta e baldia nesse mundo engraçado
Calculadamente explicado
Essa casa eternizada, enquadrada na janela de um quarto do outro lado da rua
Estará sempre nos olhos do velho moribundo que a teve como última visão


“fuga(z)”

Uma folha em branco
se rasgou sozinha,
bailou pelo ar
com seus pedaços
separados...
fugiu dos riscos
das idéias humanas
quis voltar a sentir
o ar, aliviante...
ninguém reparou
ou quis reparar...
a brisa acabou
e botou fim ao momento
quase sublime...
passou um gari
afim de colocar ordem
e assim foi pro lixo
onde se riscou, sujou
e assim... se encheu de nós

por:ramon