terça-feira, 31 de maio de 2011

Momentos pagãos e sagrados com Paul

Era um homem de estatura mediana a mais ou menos 60 metros que eu tentava enxergar entre mãos, cartazes, gritos, palmas e luzes ofuscantes. Diminuído pela distância, mas duplicado algumas vezes pelo telão, pela canção bendita - "all your life you were only waiting for this moment to arise"- deixando a moça desconhecida mais próxima de mim com os olhos úmidos, em tons avermelhados e recheados de uma emoção que se manteve contida por várias horas de espera... A fila era pra ver aquele senhor com mais de setenta anos entornando melodias e tons, conduzindo sensações desde os nossos antigos e mínimos momentos. Imaginei a menina que foi embalada no berço com o pai balbuciando "the long and winding road”, ou aqueles primos que brincaram na rede ao som de "o-bla-di o-bla-da". Cada um expandia suas memórias compartilhando o quando, como e onde tiveram suas histórias emolduradas por aquelas músicas. Bastava encostar na fila pra escutar as justificativas, os esforços, a vontade cheia de ansiedade em estar ali.

Tantas expectativas positivas não impediram uma dose estranha de tensão, proporcionada pelas armas e caras policialescas em torno, protegendo o direito, a compra correta dos ingressos. Era entre fãs e homens da lei que tentávamos burlar o esquema, numa mutreta conturbada com um cambista de terno e gravata, com uma refinada e inesquecível listra dourada no meio dos sapatos pretos. Parecia justamente o tipo de cena que muitos julgariam inverossímil se vissem fora da vida real. O cambista (que taxativamente negava tal nomeação) enrolava, ia e voltava prometendo toda a garantia e direitos ao consumidor como se fosse o gerente das casas bahia, concatenando ideias no mais puro sotaque de malandro carioca. Era Paul, não podia sair barato, diziam, enquanto o lucro ia sendo injustamente repartido. Alguns vigiados pela polícia enquanto outros, como sempre, protegidos e guiados por ela. Foi assim que repentinamente, enquanto criticava o modelo de consumo e apropriação do discurso de massa pelos beatlemaníacos, notei um burburinho crescente: cachorros rosnando, rádios emitindo chiados, um coro de fãs ensaiando sua performance gritante, e "… Paul chegou!", ouvi inquieto. Me vi como ímã encostando na barra de ferro a minha frente, vendo o aproximar veloz de uma maosinha simpática pra fora do carro. Pude sentir um tremor contraditório subindo pela garganta que pareceu um berro... Pronto, a partir daí já estava aquecido pra o que viria: uma tempestade de clássicos que trilhavam entre a fase Wings, solo e aquela que muitos parecem preferir, a conhecida fase dos besouros. Meu corpo foi rodopiando e balançando na medida em que o setlist ia sendo executado. Tamanha turbulência me causou uma ligeira amnésia que impedia de lembrar quantos clássicos estavam por vir ainda. Fenômeno esse que curiosamente só reforçava a força das músicas em seus primeiros acordes. Depois de “Yesterday” e “Eleanor rigby” já se podia esperar todo tipo de comentário da platéia. Uma velhinha baixinha passou gritando “lindo, gostoso” e outra de 14 anos dizendo “ele é tudo pra mim”. Era mesmo um show-culto que respeitava evidentemente os momentos pagãos e os mais sagrados. Em "helter skelter" eu pisava e dançava sobre as cinzas dos deuses maias, assumindo o transe da loira do banheiro até ser tocado por uma mão estranha segurando meu ombro. 1, 2, 3, 4 segundos de tensão. O estranho só tentava passar sem ser atingido por um braço em descontrole. Já em "Hey Jude" liberava todas as energias e tragava outras num mantra de quase dez minutos de "naaaaa-na-na-na-na". Engraçado como a gente só se une pra cantar uma música pop, pra torcer pelo time ou pra beatificação de uma nova santa. Só. Estádios sempre são palcos das unanimidades. Pior era como boa parte dos presentes vivenciaram tudo aquilo através das lentes das câmeras e celulares que impiedosamente gravavam o show, numa epifania que parecia eleger a simulação como meio de sentir. Eu ainda tentei registrar alguma coisa, mas fui impedido oportunamente graças a explosão de "Live and let die". Viva a rouquidão e as dores de pescoço...

Como se não bastasse o bom-senhor-com-cara-de-moço-simpático, depois de soltar várias vezes algumas frases em um português truncado, ainda recebeu no palco quatro fãs em prantos, pedindo autógrafos, abraçando repetidamente e saindo como se abençoadas pela entidade... É, na ausência dos deuses muitos elegem mortais bacanas para seus altares.

O cara ali no meio de tudo podia ser mesmo um mito, um herói pra muitos, um cover dele mesmo, e depois de duas horas e meia de show e alguns dias depois da experiência, continuo sentido uma rara e contagiante constatação de perceber como muitos querem mesmo é simplesmente encontrar brechas pra achar as mesmas coisas... deixando ser e viver sempre perto das antigas e boas canções.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Liturgia das horas

Ontem sonhei.
E como no dia em que te vi
Ainda era noite.

Ontem sonhei,
E tinha tudo,
Imagem esquecida,
Na noite
Em que te vi.

Ontem,
A dizer de ti,
Tinha, pelo rosto,
A sua imagem
Antes de partir.

A se dizer de mim,
O cheiro de luto
Vestida pela
Noite carmim,

Ontem,
Conquanto fosse você,
Seria estranho reconhecer-lhe
O dorso.

Apenas o rosto.

Ontem,
Como antes,
Se não houvesse ontem,
Antes mesmo que,

Anteriormente,
Não fosse noite,

Antes mesmo
Que,
Antigamente,
Fossemos nós,
Envelhecidos.

por - francisco gabriel

domingo, 8 de maio de 2011

Tarefas de casa

Matéria - Fotografia cinematográfica
Tarefa - Escolher uma fotografia de um filme e comentar

"Stalker" (1979) de Andrei Tarkovsky – Difícil tratar de um filme como Stalker analisando apenas um fotograma, no entanto, esse em questão parece resumir a proposta que o filme e o cineasta tentou discutir em boa parte de sua filmografia. A busca do homem em solucionar suas angustias não só internamente, mas também através do espaço, de chegar a um lugar-essência, diante dos mistérios que nos desencaixam de um ambiente hostil e ameaçador. O uso aparente da luz natural cobre toda a fotografia dando a profundidade de campo uma amplitude que reforça a ideia da pequenez do sujeito, sua incapacidade de seguir, mover-se em prol do encontro, como se quisesse reverter o sentido da existência e voltar a posição fetal, de útero, segura. Perdido e ilhado em si, cercado pelos muros rachados, e por uma água tão turva que é incapaz de refletir mesmo as sombras, o único que parece entender a situação e o meio é o cão que rodeia, talvez como vigia, talvez como algoz.

Matéria - Oficina de Realização
Tarefa - Realizar vídeo de 1 minuto tendo como tema central o cinema
Título - "Que horas é a sessão?"
Equipe - Tainá, Danilo, Luan, Francisco, Marcus


Matéria
- Cinema Baiano
Tarefa - Realizar comentário crítico sobre um dos filmes vistos em sala
Título - Resistência, dedicação e paciência em“Talento demais”

Mesmo diante de uma crise iminente e agônica o cinema baiano parece nunca perder a capacidade de questionar modelos, provocar a si próprio e sua história. Nessa perspectiva metalinguística Edgar Navarro constrói “Talento demais”, debochando e homenageando aqueles que se aventuraram nessa contagiante contradição histórica que é fazer cinema na Bahia.

Mesclando passado e presente, resgatando personagens e os confrontando numa mesma sequencia, Navarro expõe, através de nossos ícones cinematográficos, a incapacidade de nos libertarmos de uma constante crucificação política/ cultural que nos impede de produzir outros sentidos, histórias, espaços e ideias para nossas câmeras na mão. Estamos atados ainda a esses personagens, não apenas por celebração, mas como condição, não à toa Navarro costura sua narrativa através de um remake da emblemática cena Meteorango Kid, filme que já escrachava as mesmas questões mais de vinte anos antes. Todo esse alardeamento homenageador de “Talento demais” se edifica não apenas por seu tema, mas principalmente pela pela forma que imprime suas imagens. O vídeo falando de cinema parece insuficiente esteticamente ao mesmo tempo que reforça sua denúncia, sua febre, tendo o improviso no lugar da engenhosidade e criatividade, como foi com os cineastas que precederam Navarro e seus companheiros. A textura jornalística de “Talento demais” é ainda mais acentuada pela voz garbosa que nos guia em off pelas várias fases da nossa cinematografia. Talvez sejam essas contradições estéticas que Navarro queria nos expor junto dos depoimentos, das imagens de arquivo, da personificação desse cinema em cada um que surge na tela como diretor, realizador, ator ou personagem. Ali, mesmo meio inconfortáveis diante da fita magnética, unem suas angústias e provocações com uma dose aliviante de ternura e humor.

A lentidão e o talento (do qual o título une os sentido) desses processos cinematográficos no Brasil, na Bahia, demonstram que não bastam ideias para o fazer cinema, mas também resistência, dedicação e paciência. Ao fim de “Talento demais” tendemos a seguir por dois caminhos, ambos dolorosos: o desencanto apocalíptico ou a redenção a favor do transe encantador das imagens. Observando a carreira de Navarro antes e depois desse vídeo não é difícil definirmos qual a escolha mais evidente, necessária.

Matéria - Cinema Internacional
Tarefa - Estudar pra prova de amanhã