sexta-feira, 28 de agosto de 2009

(re)lendo "O Leitor"

(Vi "O Leitor" logo na época da sua estréia, no início do ano... Minha tentativa de escrever algo sobre ele naufragou quando percebi que as frases pareciam ter o mesmo sabor do filme: insosso. Minha dificuldade em escrever sobre algo que não gosto (ou que gosto mais ou menos) é salva as vezes por uma revisão mais calma do objeto em questão. Terminei esse pequeno texto/ crítica só pra provar pra mim mesmo que podia escrever algo sobre essas coisas não muito boas, afinal elas acabam sendo importantes justamente por tomar uma considerável parte do nosso cotidiano.)

Sobre o "quase" - Desejo, culpa e redenção em "O Leitor"
A antiga relação cinema/literatura sempre favoreceu um amplo debate sobre a construção do imaginário cultural, através dos seus diversos pontos de confluência e divergência. Questionamos e refletimos ainda mais sobre tal parceria ao nos depararmos com um filme que relaciona em seu corpus narrativo uma forte influência literária, tanto por sua origem em si, como por suas referências. Esse é o caso de O Leitor, filme baseado no romance homônimo de Bernhard Schlink, que traz uma história sobre o encontro de dois personagens em meio à conturbada Alemanha pós Segunda Guerra. Dessa relação incomum, entre um rapaz de quinze anos e uma mulher mais velha, o desejo acaba sobrepondo o desenvolvimento de outras afinidades. Desejo tanto pelo ato sexual, como pela leitura dos livros. O filme, como o próprio título alerta, é sobre Michael Berg e seus conflitos sobre Hannah. A leitura em questão acaba sendo não apenas sobre os livros, mas também sobre a alma da personagem, carregada de segredos e impossibilidades. O contato de Hannah com Michael e com literatura acaba por possibilitar sua re-sensibilização com o mundo. Temos nos livros mais citados justamente os temas que vão impregnar toda história. A culpa, em A Dama do Cachorrinho; o desejo, em O Amante de Lady Chatterley; e a redenção de A Odisséia. É dessa tríade tão recorrente em ambos os modelos narrativos que iremos constatar a maior das contradições do filme. Na ânsia de dar base a essa história com elementos tão intensos que o filme acaba despotencializando a capacidade das imagens falarem por si. O modelo clássico adotado pelo diretor, por vezes prejudica e reduz a um didatismo incompatível com a carga de subjetividade e ambigüidade que a história busca alcançar. Esbarramos assim sempre nesse “quase”, quase sentir, quase se envolver. Ao fim do filme, essa incômoda incapacidade acaba estimulando a leitura do livro (e dos livros), para que quem sabe assim cheguemos a apreciar efetivamente a alma da história.
Como bem sabem os personagens do Leitor, as vezes só mesmo a crueza das palavras pra capacitar os sentidos de sua exuberante percepção.

domingo, 23 de agosto de 2009

mãe preta

Vídeo realizado em parceria com o Cineclube Roberto Pires sobre mãe preta e suas histórias.
Recomendo!

http://videolog.uol.com.br/video.php?id=466663

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A discreta arte de não prestar atenção

Passeava meu olhar farseiro pelos detalhes banais do auditório enquanto pensava nos mais variados dilemas da minha existência varonil. A velocidade com que as palavras saiam da boca da palestrante carregadas por um possante sotaque português de Portugal só me garantia um maior envolvimento nas teias de outros universos, que cada vez mais me distanciavam daquela esquisita palestra.
De repente toda essa minha construção dialética e subjetiva esbarrou em um repetido trecho de música que de alguma maneira empacou no meu juízo: “alma, me deixa ver sua alma, a epiderme da alma”... O embate bizarro entre a voz de Zélia Duncan com a da palestrante portuguesa causou um impacto propício para repensar as reais razões da minha presença no meio daquelas caras bocejantes, diante daquele penteado sorridente, daqueles brilhantes slides carregados de gráficos e de boas intenções. Esse questionamento pareceu ainda mais imperativo quando um colega atrasado me perguntou sobre o que estava sendo discutido... Longos quatro segundos de completo branco me separaram da resposta, que ainda saiu meio engasgada: “Políticas culturais na pós-modernidade”. Sim, foi esse pomposo título que havia me pescado... É, mas também possibilitou uma poltrona confortável, uma temperatura perfeita para minha meditação de fim de tarde. Claro que a chegada em mãos da lista de presença é também fator primordial pra aliviar tais conflitos. Preencher um campo vazio com sua assinatura na frente do seu nome em Caixa alta parece justificar presença mesmo numa convenção de colecionadores de cartões telefônicos.
Imagine se não usássemos a nosso favor todas essas “perdas” de tempo? Morreríamos esperando um ônibus demorado, se irritando nas filas da vida, nas leituras sem sentidos, em aulas chatas, conversas com quase-conhecidos, vendo vídeos do youtube, etc, etc. Tornar leve um tenso e ocupado tempo com pequenos intervalos de ócio é uma arte tão importante quando tirar dos momentos de ócio idéias que ajudem na vida prática. Creio que nosso eterno conflito com o espaço/tempo se torna menos angustiante quando jogamos numa mesma suruba a razão de Apolo com o prazer de Dionísio. Dessa união divina salvamos nossa graça!
Pra sustentar tais devaneios com um ar mais canônico lembremos o que aquele rapaz bigodudo escreveu certa vez sobre: Viver – assim se chama para nós, transmudar constantemente tudo o que nós somos em luz e chama; e também tudo o que nos atinge; não podemos fazer de outro modo.*
Ou é isso ou me acostumo a dar atenção a palestrantes que passam uma hora e meia lendo um PowerPoint. Não, prefiro continuar viajando nos momentos em que meu conveniente e raro silêncio se unir a minha discreta falta de atenção, permitindo tragar do vento as inquietações e perguntas que nunca haverão de ser (graças a Freud!) definitivamente respondidas.
*(NIETZSCHE. A Gaia Ciência)

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Memórias do Subdesenvolvimento

"As palavras devoram as palavras e deixam você nas nuvens ou na lua. A milhas de distância. Como pode alguém sair do subdesenvolvimento? Ele marca tudo. Tudo (...) Você está só. No subdesenvolvimento nada tem continuidade, tudo é esquecido. As pessoas não são consistentes. Mas você se lembra de muitas coisas, você lembra demais. Onde estão sua família, seu trabalho, sua mulher? Você não é nada, você está morto. Agora começa, Sergio, a sua destruição final."

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A Gosto da fotografia

Nem tudo é desgosto em Agosto... há muita fotografia pra se ver, e eu recomendo as exposições "Legado Sagrado" de Edward Curtis, e "Retratos Yanomami" de Claudia Andujar, ambas no espaço Caixa cultural...
Eu também que não sou bobo tento ajudar com as minhas aspirações amadoras, mas muito bem intencionadas... aí está "o sujeito sem luz":

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

fragmentos de um seminário

Cinema é fetiche!
E o frenético Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual busca cativar a cada ano ainda mais esse estranho objeto de adoração e desejo. Ao entrelaçar cinéfilos e quase-cineastas aos debates, filmes, performances e encontros o Seminário amplia as possibilidades cinematográficas baianas ao unir-se com outras artes e vontades. Em sua quinta edição conseguiu dar a Salvador a rara chance de ver um filme de Godard em 35mm depois de pestanejar numa poltrona vermelha no meio de um debate sobre cinema e filosofia e ainda mais tarde bater palmas ou xingar curtas e longas metragens. Claro, nem todos os debates foram sonolentos, e a sensação de usar a imponência do Teatro Castro Alves como sala de aula, e melhor ainda como cinema, é no mínimo excitante. A recorrente frustração construtiva de não conseguir ver tudo o que se pretendia é parte de todo esse exercício de seis dias, que se fez também nas tantas idas e vindas entre o TCA e o Teatro Martim Gonçalves (onde aconteceu a Retrospectiva Godard) provando que o cinema, além de fetiche, também é busca por fôlego no meio de tantos mal alimentados movimentos seguidos de transpiração. Nos intervalos das sessões e debates o Seminário era igualmente construído, afinal o que seria dele e da sétima arte sem as muitas conversas, encontros, risadas e tolerância com a queima constante de cigarros na porta do foyer?! Falar de todos os filmes instigantes é meio impossível no meio da overdose, prefiro que isso aconteça em doses homeopáticas e seletivas. Pra começar quero premiar Intimidades de Shakespeare e Victor Hugo com o Prêmio Boca Aberta Sem Palavras do ano! A moça diretora Yulene Olaizola estava lá, subiu no palco, falou pouco e disse muito com o filme, que acabou infelizmente sendo pouco visto. Depois de ter lotado o palco da sala principal com metade da platéia, Pau Brasil a grande estréia baiana, de Fernando Belens, também conseguiu surpreender (pro bem ou pro mal), arrancando um gritante "Bravo!" do colega Navarro. Os curtas têm um papel fundamental no Seminário, além de darem o tom competitivo, garantem espaço pras produções baianas. No entanto foi desse aspecto tão nobre que o evento conseguiu provocar o maior dos equívocos. Eles resolveram dividir a premiação do melhor curta-metragem em duas categorias, baiano e nacional... Até aí nenhum absurdo, porém ao contemplar em ambas as categorias filmes de nossa terra (Cães e Nego Fugido) o evento agrediu o juízo de sua própria importância, premiando sim o estranho e desnecessário bairrismo. Aos meus coçantes olhos Os Sapatos de Aristeu foi o curta que conseguiu arrancar mais brilho. Houve ainda na última noite, além da tal premiação, um mini-musical-cabaré-bahiwood (?!), performance essa que arrancou vários suspiros de vergonha alheia da platéia, que aplaudiu mais no intuito de adiantar o término. Apesar desses momentos menos–melhores o Seminário acaba sempre deixando a vontade por mais, e junto com a Jornada de Cinema dá a cidade um pouco mais de empolgação e dignidade pra difícil arte de gostar e pensar Cinema. Mesmo com seus méritos consolidados não há garantias que o Seminário vá acontecer ano que vem, cansado de ficar com o pires na mão o organizador Walter Lima já avisou: “Não estou a fim de ter enfarte”. É a crise... Torcemos que role e que mantenha o foco no que sabe melhor proporcionar: bons filmes e adubo pra cabeça.