sábado, 26 de dezembro de 2009
saber quem eu sou LÁ
"quero encontrar a ilha desconhecida,
quero saber quem sou eu quando nela estiver,
(...) Se não sais de ti, não chegas a saber
quem és"
O conto da Ilha desconhecida, José Saramago (Pag.40)
sábado, 12 de dezembro de 2009
Sobre um longínquo e afetuoso gesto
Foi ali que desistiu... Pluft!
Engasgada em pensamentos perdeu simplesmente toda a crença na humanidade enquanto olhava a rua pela janela do ônibus, meditando sobre a pessoa que durante um bom tempo havia sido a sua preferida. A cidade contorcida pela velocidade parecia cenário perfeito para análise daquelas fúnebres conclusões. Uma mosca se debatia no vidro da janela e parecia ter a síntese perfeita do que ela ali acreditava ser nossa penosa condição - "Nos debateremos sempre na tentativa de voar". Se há, mesmo nas pessoas que mais nos dedicamos e acreditamos, um ímpeto de enganar, omitir, simular, o que seria então daquele resto de gente que passa como cenário borrado na janela do ônibus, que nunca conheceremos, que nunca doaremos um gesto?!
Desdenhando de si, lembrou do quanto acreditava que em cada um havia possibilidade de conceder ao mundo uma beleza, mínima, mas intensa, capaz de direcionar tudo pra um bem maior. Não eram nas grandes revoluções que ela acreditava, mas nessas raras almas que pareciam impedir que enxergássemos a cólera desmedida, que mesmo em qualquer esquina, o mundo é sempre capaz de propagar. Seria só nas pessoas que nos encantavam e apeteciam, que essa responsabilidade tão nobre seria possível. Por aí então estaríamos interferindo em todo o resto (naqueles borrados rostos que nunca conheceremos), partilhando de um longínquo e afetuoso gesto. Era nesse trabalho humanitário que ela acreditava até então. Antes daquilo...
O suor frio que aflorava de sua testa parecia expulsar ali todo o romantismo manco que tanto adorou se enganar. Foi Bukowski* que lhe veio como força teórica pra legitimar e suavizar seu choque.
Ali, naquele instante evasivo, era apenas na plena descrença que queria se apegar, rindo das irônicas forças que regem a natureza humana, de sua capacidade de auto-sabotagem. Lembrou que certa vez observava um velho observar as crianças num parque, onde delirante soluçava baixinho: "é a continuidade trágica... um dia serão monstros como nós". Se antes velho delirante, agora, ali, o velho era um gênio, niilista sim, porém profeticamente corajoso.
Certificava-se de um medo antigo, de que cada um, mais cedo ou mais tarde, haveria de encontrar sua própria forma de atrapalhar/destruir o outro, e o resto continuaria ainda mais comprometido. Assim, entre tantos conflitos e certezas, minha imagem continuava piscando em seu córtex cerebral. Acusado, culpado e condenado por ter lhe roubado aquela idílica relação com o mundo, visão essa que tanto desqualifiquei, mas que cá entre minhas contradições invejava tanto.
Gostaria de mudar tudo aquilo, gostaria de entrar naquele ônibus e fazê-la rir como antes, como quando meu abraço tinha um peso confortável, capaz de dilatar longamente o tempo e o espaço pra uma zona só nossa. Gostaria de ser todos, tudo que ela olhava, cada rosto, cada desconhecido, para imprimir neles, disfarçadamente, um lado que ela gostava tanto de se alimentar, para que assim resgatando sua utopia, pudesse fazer esquecer cada equívoco e falta de cuidado que tive.
Como aquele mosca que ela observa no vidro do ônibus, me deparo com uma histérica paralisia, culpa e arrependimento por ter tirado de quem mais gosto a capacidade que tanto me falta, e a todo resto, de realmente vislumbrar possibilidades mútuas, mais do que apenas esperar que o saco de merda se rasgue sobre tudo.
Lugares-de-coisas-fartas (Pág. 98)
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
reinaugurando memórias
(todos os primos descendo de bicicleta desesperadamente a mítica ladeira de Dega, talvez atrás de uma cicatriz, buscando do mundo alguma agressão; minha avó falante contando histórias na mesa do café, enquanto eu tentava imaginar cada cena; o momento exato do batismo no ginásio com o apelido que me perseguiu por tempos).
meses depois assisti Morro do céu, documentário de Gustavo Spolidoro. a reação pós-filme foi contrária a do livro: andar e conversar com meu irmão na rua. mesmo num processo diferente, aconteceu a mesma sensação de revisita das próprias memórias através de outras. lembrei do livro, de como me senti depois, de como não havia escrito nada além de umas poesias toscas à respeito.
são ambas obras simples, sem maiores rebuscamentos ou revoluções narrativas, mas com uma imensa capacidade de comunicar, de atravessar as barreiras que tanto buscamos na arte. Spolidoro e Galera parecem ter em seus personagens uma forma de guardar e rememorar suas próprias infâncias e adolescências... contando outras histórias, acabam contando as suas próprias. e eu cá. assim personagens, autores e leitores, todos acabam unidos em uma enorme memória coletiva, pulsante, capaz. às vezes acho que todo artista só responde as suas influências e ao seu próprio passado quando inventa algo. poderia citar ainda O espelho, de Tarkovsky ou ainda Infância, de Graciliano Ramos, ou tantas obras que se baseiam nesse exercício de recordar pra recriar... no entanto Mãos de cavalo e Morro do céu parecem mais próximos de minhas limitações e pretensões em lidar com palavras e imagens. enxergo os autores mais como amigos, do que como mestres.
a simulação de uma amnésia redentora foi provocada ironicamente desse medo em esquecer determinados momentos e detalhes, como se pudesse controlar a intrincada teia do esquecer/lembrar. como se houvesse chance de reinaugurar a atenção e a importância dos momentos mais simples que formam hoje outros mais importantes. parafraseando Borges (aquele mesmo J.L.) devemos fazer da vida, da literatura e do cinema espaços essencialmente alimentados pelos sonhos, que por excelência são os melhores arquivos e misturadores das recordações.
me restou deitar piscante, dormi e sonhei em preto e branco com um menino banguelo perguntando: "quanto custa essa camêra de filmar sonho?"
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Traz o demônio no corpo
afundando os pés entre as folhas secas
nosso irmão calava sua revolta
nosso irmão virava-se de costas
abrindo largos passos para um mundo de vícios velhos,
nosso irmão se perde como um confuso, um epiléptico... possesso!
e a sua virulência separa as mãos
sua virulência invade o nosso pão
nosso irmão traz o demônio no corpo
e a sua virulência separa o nosso pão
e sua virulência invade nossas mãos
impiedosamente
nosso irmão traz o demônio no corpo,
irmão,
traz o demônio no corpo, traz...
(Só assim Raduan poderá nos ouvir!)
terça-feira, 24 de novembro de 2009
"cinema ta ficando um assunto sério demais..."
- Rogério Sganzerla (1968)
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Um elogio a subversão - Casamento silencioso
O filme acaba dividido principalmente através de uma lógica sonora contrastante. Enquanto o barulho domina boa parte do filme através da música, do sexo, das brigas e risadas exageradas, o silêncio (quase) impera na comemoração do casamento, que acontece às escondidas das autoridades. É nessa cena que o filme consegue catalisar mais intensamente a sua força criativa, fazendo referência direta a arte circense e as chamadas comédias-pastelão. Se há no barulho a extrapolação da liberdade e das sensações, haverá no silêncio a capacidade de subversão e revolta contra a censura imposta pelo estado. Através desse excêntrico caso o filme acaba simbolizando toda uma época onde o comunismo foi estabelecido através do autoritário controle sociocultural, tema que tem dominado o recente e premiado cinema romeno, tendo como exemplos mais expressivos a também excelente comédia A leste de Bucareste, e o denso drama 4 meses, 3 semanas e 2 dias. Em Casamento Silencioso não faltam sátiras a esse comunismo vulgarizado, como no momento da tentativa de “culturalizar o povo” através do cinema, mesmo num vilarejo sem energia elétrica, ou no modo como partido é caricaturado. Tendo o início e o final do filme se passando no presente o diretor demonstra tentativa de problematizar essa história recente, refletindo sobre o modo que a contemporaneidade lida com suas memórias.
A hilariante fabulação da realidade que o filme propõe parece querer nos indicar que há possibilidade da felicidade sobrepor-se a ignorância megalomaníaca dos homens, mesmo que conquistada sutilmente através do olhar infantil e na ilimitada vontade de reinventar que a arte cinematográfica nos concede.
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Sinal fechado
por: Francisco Gabriel Rego
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
pedaço de solidão
Pontuava a conversa com algumas piadas banais, mantendo a gentileza de deixar ela falar, achando nobre aquele ato... Ouvir alguém que não conheço no fundo carrega uma certa estranheza. Captei mais melancolia, necessidade de se fazer existir em meio ao nada, enquanto que o que as palavras contavam ficava em segundo plano. Uns vinte minutos depois deixei Márcia atendendo uma galera que comprava às gargalhadas vinhos e latinhas de cerveja. Ouvi um Boa Noite de Márcia pra essa galera.
Sorri. Enquanto olhava minha sacola amarelada na escada percebi que havia esquecido o bendito açúcar (assassino). Lamentei, deixei pra lá. Atravessei a rua, lamentei o cheiro. Abri a porta e ninguém em casa tornou o texto de Márcia ainda mais latente. As palavras passaram prum primeiro plano, e o café amargo me deixou ainda mais existencialista. Sentei no sofá pensando em todas as possibilidades de solidão mais distantes - Tragadas de cigarro na janela por uma mulher recém separada/ O olhar congelado do garçom num espelho de um bar/ O latido pro nada de um cachorro num quintal/ Uma xícara de café amarga e fria em minha mão. - Parece que as pessoas temem o ''Só'' por essa condição lembrar das dívidas próprias mais urgentes, do que deixou de ser feito, resolvido realmente.
A gente passa vida conhecendo gente, conversando, tentando dar sentido a tudo, mas são poucos os que realmente ouvem. É difícil calar. Poucos os que reconhecem uma cor, um cheiro, um silêncio e que ainda tem a sorte de experimentar na própria solidão algum sabor... Existindo insistentemente, pleno em meio ao nada.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
lugares-de-coisas-fartas
lugares-de-coisas-fartas - Pág. 02
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
Lucrécia B. Karamazov
http://www.dimas.ba.gov.br/critica2009/lista_de_premiados.htm
E num é que as vezes esse negócio de cinema da mesmo certo?! Que bom... (Click e leia as críticas completas!)
Sobre imobilidade e movimento em Linha de passe
"A catarse do filme cresce e suavemente explode em um final aberto e altamente lírico... A probabilidade do gol é a própria probabilidade da vida que de tão estanque e injusta faz Dinho repetir 'Anda, anda', como se fosse ordem, vontade maior pelo movimento a todos os outros personagens: a mulher da cadeira de rodas, a mãe ofegante sobre a cama... E por que não do nosso cinema. Cada irmão, anulados nas multidões vomitadas pela cidade, descobre seu meio de impor a visibilidade que tanto precisam. “Você tá me vendo?!”, grita Denis com o motorista ao tirar capacete, enquanto Reginaldo passeia calmo com o ônibus entre os viadutos, rindo de sua proeza."A desconstrução final de Memórias do Subdesenvolvimento
"A complexidade da personalidade de Sergio segue o caminho inevitável da desconstrução, como Nietzsche, ao propor uma filosofia feita à marteladas. Em meio a essa demolição, Alea acaba por expor a maior contradição do personagem: a chave da sua incompatibilidade está justamente em seu nível de lucidez e consciência. Nem revolucionário, nem burguês, ele é um quase intelectual que não consegue definir seu papel e atuação."
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Um cinema mais que cinema - O ANTICRISTO
Num determinado momento de O ANTICRISTO os pensamentos se perdem, as idéias e interpretações viram alpiste, a capacidade de definição não faz sentido… Somos tomados de forma tão pungente pelas imagens que a poltrona parece se contorcer junto com o corpo. Lars Von Trier parece ter tanto a mostrar que não deixa muito espaço durante o filme pra nossas próprias reflexões, ou pelo menos pra sua organização. As imagens por si só parecem silenciar o texto. A plasticidade suavizante das primeiras cenas já nos apresenta um universo regido pela crença absoluta na imagem. A ópera de Händel, o preto e o branco, a hiper-lentidão da penetração, da colisão entre os corpos, da queda da criança, guardam uma beleza trágica e perversa que não nos poupará do choque... E não há outro meio pra chegar ao que o diretor /autor quer nos dizer, pra tentar entendê-lo há de se ter muita responsabilidade e espírito livre.
A impressa cinematográfica gasta centenas linhas pra falar da polêmica estréia do filme no Festival de Cannes, sobre a depressão do diretor, das chocantes cenas, etc. Na análise de qualquer filme de Lars Von Trier todas essas reverberações devem ser levadas em conta, o problema é quando essas acabam sendo mais discutidas que o próprio filme. Claro, a polêmica toda sempre vende mais, e ele próprio tem parte de culpa nisso. Acho que é dessa superficialidade, e da impressionante necessidade de discutir e mastigar cada cena, que meus dedos coçaram compulsivamente pra escrever. Saí da sessão embasbacado, desnorteado, torcendo e esperando os pensamentos educadamente se recomporem.
O Anticristo é o mais pretensioso de seus filmes. O diretor parece querer fazer do seu cinema mais que cinema, mas também cura de suas próprias dores e questionamentos. Será que o artísta precisa experimentar de uma dor incalculável pra depois expulsá-la com Arte?! Muitos exemplos provam que sim, e Lars nos mostra seus próprios pesadelos na tentativa de descortinar as dores e culpa de toda humanidade. Esquizofrênica tentativa! (O que seria de nós sem elas?!)
Sua tese aqui é sobre a existência, sobre a representação que fizemos do Bem e do Mal pra julgar e edificar nosso mundo. Ondas do destino, Dançando no escuro, Dogville já contemplavam com a mesma visceralidade esses aspectos, mas o exorcismo do diretor aqui parece ainda mais desesperado e urgente. Pra isso ele se apropria e subverte o próprio emperrado gênero de Terror (o título já é uma clássica referência do estilo, que claro guarda significados muito maiores).
A densidade sufocante do filme potencializa o maior dos enfrentamentos: Ela e Ele no Éden pra um histórico e doloroso acerto de contas! Se a Bíblia nos conta a historinha da criação do mundo, Von Trier irá desconstruí-la pra provar o quanto somos contra a idéia de perfeição... O Homem é incompatível com a Natureza justamente por não aceitar seu grandioso poder. Tudo diferente do Cristo foi demonizado e subjugado: o corpo, a mulher, a natureza, os índios... E por aí vai, uma longa lista de cristianizados na base do fogo. O Cristo que é homem que é a civilização contra a Natureza que é Mulher, e por isso Igreja do Demônio. O "caos'' dessa Natureza é tudo de que o homem sempre buscou fugir, desorganizando o orgânico pra estruturar a ilusão de um mundo superior, ''limpo''... Mas a raposa avisa que "o caos reina'', porque a Natureza é maior, e é aí que está todo nosso desespero. Sufocar, queimar, estuprar, escravizar não poderá conter sua impiedosa resposta final.
Se o sexo é o único elo entre esses mundos, e da procriação trágica da humanidade, ELA abortará tais possibilidades ejaculando sangue, cortando o clitóris, permitindo a queda do filho. Ela é a catalisação de Grace, Bess, Selma dos outros filmes de Von Trier, o que faz da melhor parte da sua filmografia um só grito. E desse agudo som todas essas Evas lentamente virão morro acima nos colocar junto da mesma absurda e desordenada fogueira, que de tão alta pode atingir a essência daquilo que misteriosamente somos feitos, mas que nunca realmente queremos enxergar.
Em O Anticristo Nietzsche diz: "É um doloroso, um arrepiante espetáculo que despontou para mim: abri a cortina da corrupção do homem." E ainda... "É necessário ter o caos cá dentro para gerar uma estrela". Interessante coincidência? Nada parece gratuito nesse filme. Assim como a justíssima dedicatória final ao mestre Tarkovsky. Através dessas referências podemos imaginar a abrangência simbólica e física dessa obra, que continuará maldita, Antiparalisia, Antidepressiva, amaldiçoada pela capacidade de perturbar nosso letárgico sono, elevando nossa natureza para muito além dessa covardia que nos ensinaram por tanto tempo.
ps: todas as divagações e delírios desse humilde texto são de inteira responsabilidade da chuva torrencial que cai aqui fora, mas que invadiu também minhas reflexões... A natureza é mesmo demoníaca!
domingo, 27 de setembro de 2009
os tentações
(Talvez porque eu gostaria de ser um deles!!)
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Que sim! Que não!
que alumie o cansaço escondido.
Peço um pedaço de som
que emagreça o verbo.
Quero uma queda surda
que pareça piada.
Quero uma queda sem dor
que não suje a calça.
Que sim! Que não!
Aguento mais que
tu dou nada.
Que sim! Que não!
Pertenço a lugar
algum. É nada?!
por: leo
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
trecho 1h45'
Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.
"O jogo da Amarelinha" - Capítulo 7
Julio Cortázar
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
contemplando 999
(Uma mulher na fila do banco abre um envelope, descobre que está grávida e me abraça feliz enquanto pensa o que fará pra criar a criança, se ficará feia grávida, que nome dará, quem é aquele que ela abraça.)
Parece besta, mas era bom fantasiar sobre as várias possibilidades nessas frestas de tempo. Hoje atravessando a rua debaixo de chuva pensava nesses 9's, em seus significados. A cidade estava realmente estranha. Além da chuva repentina, ao virar a esquina da minha rua me deparei com a completa ausência de luz na hora do jogo da Seleção em Pituaçú, enquanto que em outros bairros ônibus eram queimados e módulos policiais metralhados... O futebol, a violência, o escuro, meu cabelo molhado: tudo era Salvador, tudo era nove de Setembro de dois mil e nove. Tudo era tanta coisa em um número... A vontade era de sumir um pouco! E de uma conversa no busú com uma amiga lembrei de Bauci, uma das cidades invisíveis de Calvino, que se sustentava acima das nuvens e que raramente se via seus habitantes em terra.
(As Cidades Invisíveis - Pág. 73)
4 Brasil, 2 Chile. A polícia prendeu 14 pessoas, viva!
É mesmo aliviante contemplar a própria ausência...
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
um filme sobre Você
"Moscou" é feito disso... ou foi disso que eu o fiz. Um filme que não consigo parar de pensar e re-fazer. A expectativa que antecede um filme de Eduardo Coutinho me leva sempre a impulsionar seus significados. Entre o que eu esperava e o que realmente É, sempre surge algo novo. Novo que aqui precisa de um "N", assim mesmo. Se nos filmes anteriores tal descoberta era feita em uma confortável zona de análise do discurso/narração do outro, "Moscou" parece não ter nenhuma fresta de contato simples ou direto que ajude a descortinar suas imagens e palavras. Esse impedimento não é inconsequente ou gratuito, mas necessário. No texto denso de Tchekov, "As três irmãs", Moscou (a cidade) é a lembrança e o desejo inalcançável. Em cena a atuação dos atores/personagens (Grupo Galpão) é mesclada as memórias pessoais através de fotografias e depoimentos. Coutinho radicaliza seu discurso narrativo sem direcionar seu olhar unicamente sobre o processo de criação (como eu pensava que fosse) ou sobre o já exaustivo debate ficção e documentário. Experimentamos a sensação de incapacidade, da ausência que impregnam a história... Dessa sensação virão nossas constatações. Ausências e impossibilidades. Atingimos o que há de real em nós mesmos, por isso esse documentário acaba sendo sobre cada um que o assiste... Não há maior originalidade.
Entre o que esperava e o que o filme foi, estava eu, só (literalmente) em uma sala escura com a(s) minha(s) Moscou... foi doloroso, inesquecível.
“Tchecov não tem nenhuma culpa do que eu fiz. Aliás, eu ainda nem sei porque fiz este filme.” - Coutinho
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
(re)lendo "O Leitor"
Sobre o "quase" - Desejo, culpa e redenção em "O Leitor"
domingo, 23 de agosto de 2009
mãe preta
Recomendo!
http://videolog.uol.com.br/
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
A discreta arte de não prestar atenção
De repente toda essa minha construção dialética e subjetiva esbarrou em um repetido trecho de música que de alguma maneira empacou no meu juízo: “alma, me deixa ver sua alma, a epiderme da alma”... O embate bizarro entre a voz de Zélia Duncan com a da palestrante portuguesa causou um impacto propício para repensar as reais razões da minha presença no meio daquelas caras bocejantes, diante daquele penteado sorridente, daqueles brilhantes slides carregados de gráficos e de boas intenções. Esse questionamento pareceu ainda mais imperativo quando um colega atrasado me perguntou sobre o que estava sendo discutido... Longos quatro segundos de completo branco me separaram da resposta, que ainda saiu meio engasgada: “Políticas culturais na pós-modernidade”. Sim, foi esse pomposo título que havia me pescado... É, mas também possibilitou uma poltrona confortável, uma temperatura perfeita para minha meditação de fim de tarde. Claro que a chegada em mãos da lista de presença é também fator primordial pra aliviar tais conflitos. Preencher um campo vazio com sua assinatura na frente do seu nome em Caixa alta parece justificar presença mesmo numa convenção de colecionadores de cartões telefônicos.
Imagine se não usássemos a nosso favor todas essas “perdas” de tempo? Morreríamos esperando um ônibus demorado, se irritando nas filas da vida, nas leituras sem sentidos, em aulas chatas, conversas com quase-conhecidos, vendo vídeos do youtube, etc, etc. Tornar leve um tenso e ocupado tempo com pequenos intervalos de ócio é uma arte tão importante quando tirar dos momentos de ócio idéias que ajudem na vida prática. Creio que nosso eterno conflito com o espaço/tempo se torna menos angustiante quando jogamos numa mesma suruba a razão de Apolo com o prazer de Dionísio. Dessa união divina salvamos nossa graça!
terça-feira, 18 de agosto de 2009
Memórias do Subdesenvolvimento
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
A Gosto da fotografia
Eu também que não sou bobo tento ajudar com as minhas aspirações amadoras, mas muito bem intencionadas... aí está "o sujeito sem luz":
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
fragmentos de um seminário
terça-feira, 21 de julho de 2009
Um cinema de conflitos - "A festa da menina morta"
A diversidade do roteiro, que se ergue principalmente na religiosidade ribeirinha entroncada com a incestuosa relação pai/filho, torna superficial qualquer simplificação. Os simbolismos dos corpos, da natureza amazônica reinante (o rio abissal, a mariposa inquieta, a galinha ensangüentada, o berro do porco), dos objetos (o vestido da menina morta), caminham juntos pra compor a narrativa desse universo cinematográfico denso, angustiante, quase impróprio. E o risco de cair no folclórico, no exótico bem lustrado já tão explorado no cinema nacional parece tentador quando se trata de focar realidades não-urbanas, aqui, no entanto essa apelação escapole por não tentar enquadrar a celebração religiosa em explicações ou motivos. O que rege o filme parece ser a perseguição angustiada daquelas pessoas por um encantamento maior contra um vazio que tanto oscilam e temem em cair... E dessa busca todos padecemos, cada um a seu modo. Nachtergaele opta por um cinema de conflitos, que consagra a tensão constante, onde os atores parecem náufragos em seus personagens, concebidos dentro de uma concepção clara e recente de ficção impregnada por traços documentais. Temperamental, andrógeno, fútil com suas coroas de milagreiro, o personagem de Daniel de Oliveira perde consistência quando reflete diretamente ao modo de atuação de seu diretor. Os personagens mais intensos parecem ser justamente aqueles que estão nas arestas, que aos poucos revelam suas fraquezas, seus delírios, colocando argamassa no todo. As longas cenas, sem cortes, dão a trama um tom guiado por uma trágica dinâmica teatral, que alcança e sufoca mais desprevenidamente os ocupantes das poltronas da sala de cinema, que de susto parecem reagir as vezes com espasmos gargalhantes nas cenas mais absurdas, sem significados óbvios. Aqui não acharemos nada óbvio, e isso tanto pra o lado das cenas em que o excesso gratuito cansa e prejudica (os xiliques do Santinho, o delírio do Padre), como nos momentos em que a espontaneidade dos diálogos e situações garante um fôlego mais envolvente (a velhinha que conversa com a boneca, ou o índio reclamando com a mulher na cozinha).
Assim como Feliz Natal de Selton Melo, Nachtergaele parece movido por uma inquietação artística ainda maior, da qual seus papeis e carreira bem sucedida não davam mais conta. Ambos os atores, agora também diretores, movidos por tanta fome cometem exageros em suas películas, mas com tanta vontade acabam também criando momentos enriquecedores, bonitos, provando o quanto sabem contar histórias, e partindo da dor, da abertura das feridas para solidificar suas intenções.
O espectador que se contentar com a segunda inclinação do início do texto desvie o olhar até mesmo do cartaz, há uma centena de filmes que se enquadram ou não exigem mais que um “bom”/ “ruim”, duas ou cinco estrelas. Sem conforto algum, A festa da menina morta exige um tempo maior, para além da projeção, apontando pra opções mais numerosas, não apenas pra si, mas pro cinema movido mais do que por seus prodígios técnicos, mas por carregar uma essência, uma alma. Essa ânima só será exorcizada e aí sim definida se a coragem e a consciência crítica permearem ambos os lados da tela.
quinta-feira, 16 de julho de 2009
outras nações
sexta-feira, 10 de julho de 2009
criatura da noite
Foi aí que comecei a desconfiar que algo de estranho havia nisso tudo. Deparei-me com poucas alternativas: a loucura frustrante ou a invenção criativa... Acho que me alimentei de um pouco de cada. Desse hibridismo fui tomando gosto pela noite, achando outros barulhos e silêncios, percebendo que havia enormes possibilidades antes de fechar os olhos pra contabilidade caprina. Conversas demoradas, desenhos toscos, fitas VHS, livros, poesias caóticas, fones de ouvido. Acredito que me moldei principalmente através desse trovadorismo noturno, dessa hora melhor pra achar que tudo pode ser inventado... Sem medos!
quarta-feira, 8 de julho de 2009
Tudo que está estagnado
Expelido,exorcizado
Tudo que está estagnado
Saia de mim como escarro, Espirro,
pus,
porra,
sarro,
Sangue,
lágrima, catarro.
(arnaldo antunes)
sábado, 27 de junho de 2009
Nós, os vivos (As Intermitências da Morte)
Quando Saramago nos narra a absurda greve da Morte parece buscar essa reflexão sobre o modo como recusamos aceitar sua existência, e é do mesmo modo que inicia que ele termina As Intermitências da Morte, como se no fundo o fim tivesse o mesmo sentido do princípio: um desconhecido amedrontador. Se tratando de um livro sobre a Sra. Morte tal idéia me parece ainda mais considerável, já que ao falar dela, o velho Saramago quer apontar o dedo sobre nós, os vivos. Num primeiro momento a tal greve de morte parece nos garantir alegria , alívio completo em nossa penosa existência, no entanto logo percebemos que no meio dessa ingênua tolice emerge um caos ainda pior sem Ela... Maldade, injustiça e tristeza existem independentes da dita cuja. Como sempre impiedosamente fantástico, Saramago nos envolve nesse mundo que parece impossível, mas que como sempre é cercado de um argumento absurdo para estampar suas verdades causticas. Em Seis propostas para o próximo milênio, Italo Calvino reflete como há questões que só a literatura pode representar com a devida profundidade, mesmo num mundo guiado pela imagem. Na primeira parte de Intermitências há um peso rastejante, como os corpos dos quase-mortos, e na segunda parte ele ganha uma leveza (que é a primeira proposta que Calvino defende) mesclada a um humor sutil. É uma leveza transgressora justamente por aparecer no momento em que nos aproximamos dessa Morte já tão duramente representada em nossa história. No livro ela re-surge humanizada, personificada em questionamentos, erros, e numa tristeza por tanto nos conhecer.
Ainda há dentro da literatura recente esses tipos raros que nos fazem querer guardar bem dentro cada trecho, orações inteiras com cada ponto e vírgula necessária ao arrepiamento dos cílhos do olho esquerdo. Não demora muito para que entre nossos dedos restem poucas páginas, mas ainda tão cheias de um latente fôlego narrativo. Ao final a personagem principal contraditoriamente inspira e ganha ares heróicos, pois carrega no fundo uma vontade maior, uma torcida para que a notemos, dando talvez mais sentido a cada dia, cada fim de tarde, cada pessoa e palavra que nos rodeia. Nossas reclamações e conflitos, claro, nunca cessarão sobre Ela, mas que saibamos também converter nossas dores em consciência e leveza, pois se haverá na Morte um tudo ou um nada será mesmo só nela que poderemos despertar desse não-saber, e aí... aí será.
sábado, 13 de junho de 2009
sobre inferno
quarta-feira, 3 de junho de 2009
GARAPA
terça-feira, 26 de maio de 2009
Um dia conseguirei escrever uma linha sobre o Cinema de Tarkovski
"Amo muito o cinema. Eu mesmo ainda não sei muita coisa: se, por exemplo, meu trabalho corresponderá exatamente à concepção que tenho, ao sistema de hipóteses com que me defronto atualmente. Além do mais, as tentações são muitas: a tentação dos lugares-comuns, das idéias artísticas dos outros. Em geral, na verdade, é tão fácil rodar uma cena de modo requintado, de efeito, para arrancar aplausos... Mas basta voltar-se nessa direção e você está perdido. Por meio do cinema, é necessário situar os problemas mais complexos do mundo moderno no nível dos grandes problemas que, ao longo dos séculos, foram objetos da literatura, da música e da pintura. É preciso buscar, buscar sempre de novo, o caminho, o veio ao longo do qual deve mover-se a arte do cinema."
sexta-feira, 22 de maio de 2009
o brega que é bom
eu espero ser outra coisa a cada vez
que você olhar
para que você não veja isso que eu sou
eu espero ser um bem-te-vi
a cada vez que você me olhar...
Sabe, seria claramente lindo se você ficasse
na minha vida por um tempo.
eu gosto quando cava em mim esse buraco de carinho...
que só eu entendo.
Vai, me põe no teu colo
me diz que sou tua filha
e chora no meu seio os teus anos
Não,
espera um pouco.
Deixa eu me perder um pouco na tua casa
e chamar o teu nome...
vou pegar-te um copo d'água
E ficar com essa sensação de te ter em meu corpo
Depois dizem que perdemos nossa delicadeza...
Gostei muito! Abraço Telma!
terça-feira, 19 de maio de 2009
olho grande
Pessoas começam a se aglomerar em torno de uma mesa em pleno sábado, no Mam. O debate se inflama, um fala mais alto, pede a palavra, xinga, risadas coletivas saltam, silêncios e cochichos intercalam toda discussão... Logo estava envolvido por aquela baderna, não sabia como, mas já fui me intrometendo com julgamentos voyeurísticos. Toda aquela dinâmica não podia passar despercebida por minha falta-do-que-fazer-da-porra, mas afinal, do que se tratava? Prestei atenção a tantos detalhes, olhares, no entanto nem sabia ainda a razão daquilo. Um pensamento mais rasteiro me levou a achar que poderiam ser estudantes resolvendo crises para uma futura formatura... Outro pensamento mais pretensioso me fez arriscar que se tratava de um grupo jovem de partido político, ou quem sabe evangélico... Não, nada disso se encaixava naquele mundo particular. Aquele anonimato gritante me angustiava! Meu olhar foi buscando outras referências... Um deles usava uma camisa com uma imagem já meio desgastada, fui decifrando, ligando pontos, e percebi que era uma mulher sorridente, com um cara do lado... Uma moça fechou o caderno com a capa colorida, estava de cabeça pra baixo, mas não desisti. Fui lendo lento: C-a-l-y-p-s-o... Normal, mas logo depois ouvi palavras como “show”, “ônibus”, e pra matar um celular chamou com uma guitarrinha que remetia a imagem da capa do caderno. Sim, era o encontro semanal do fã clube do Calypso, e como eu demorei pra perceber. Desde último encontro regional de estudantes de história que não via tamanha contenda. No entanto o nome da vez não era “Marx” ou “Thompson”, e sim, “Joelma, Joelma”. O único momento de consenso foi quando comentaram a respeito do novo comercial do suco
Outro sábado, outro mesa, outro museu, outra reunião. As pessoas se abraçavam, sorriam, conversavam receptivamente, fumavam e tomavam coca. Nenhum suspense. Era reunião do Greenpeace. Estranho a falta de debates, discussões. Ficaram horas desfilantes com camisas com frases de efeito, e depois de algumas horas agradáveis se dispersaram quase como os personagens da malhação depois de uma festa. Só sei que o fã clube do Calypso foi muito mais instigante de acompanhar... E isso o quer dizer afinal? Que o fim está próximo?
Talvez, mas certo é que meu olho é grande.
Fã Clube - http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=64005889
Comercial do fresh - http://www.youtube.com/watch?v=Q7WyvWkRh1M&feature=related
Greenpeace - www.greenpeace.org.br