Num primeiro momento era através do rosto das pessoas que eu tentava entender o cotidiano de cada cidade, posto de gasolina e vilarejo que cruzava. Um homem de meia idade lendo um jornal no metrô de Santiago; uma boliviana mascando a folha de coca em uma estrada na Bolívia; a menina que dançava sorridente nas ruas de Puno. Analisar a disposição do olhar de cada um parecia o melhor meio pra tentar entender o normal de cada lugar, talvez como um modo ilusório de me sentir parte, imperceptível. Não, ser percebido como o-outro sempre parecia maior. Meu desencaixe estava justamente nesse meu olhar interessado, quase antropológico, como se quisesse colher tudo que se podia de cada contexto.
Perguntei ao homem ao meu lado no carro: "Como é ser taxista em Lima?", ele me olhou de lado, com uma expressão surpresa e positiva. Provavelmente ninguém havia lhe perguntado aquilo... Não tardou a me devolver também um questionamento. Senti a dificuldade e o prazer em responder sobre mim, sobre meu lugar.
Não há como se apropriar das outras realidades sem despertar uma possibilidade mútua de interesse. Eu, ali como um outro mais plural, me aproximando levemente sobre um emaranhado de possibilidades e trocas. Um homem de meia idade lendo jornal, uma boliviana mascando folha, a menina dançando, o taxista falando. Quis ser por um minuto aquelas vidas... Expandir-me impossivelmente sobre seus espaços... Sair de si esquecido e ser dominado por outras lógicas, outras crises e certezas.
Em um movimento contrário e drástico de pensamento voltei pro meu quarto (tão distante), como se aquele delírio tivesse também o momento certo pra demarcar seus limites. É esse ir e vir que me cerca agora, congestiona algumas idéias, liberta outras, responde, cria novas perguntas - como as de Dante, o taxista. Como se integrar subjetivamente aos infinitos caminhos que exigem a nossa presença? Como podemos nos conhecer?
Pra que rostos você irá olhar amanhã? Que lugar buscará ir?
Que perguntas te farão?