terça-feira, 26 de maio de 2009

Um dia conseguirei escrever uma linha sobre o Cinema de Tarkovski


"Amo muito o cinema. Eu mesmo ainda não sei muita coisa: se, por exemplo, meu trabalho corresponderá exatamente à concepção que tenho, ao sistema de hipóteses com que me defronto atualmente. Além do mais, as tentações são muitas: a tentação dos lugares-comuns, das idéias artísticas dos outros. Em geral, na verdade, é tão fácil rodar uma cena de modo requintado, de efeito, para arrancar aplausos... Mas basta voltar-se nessa direção e você está perdido. Por meio do cinema, é necessário situar os problemas mais complexos do mundo moderno no nível dos grandes problemas que, ao longo dos séculos, foram objetos da literatura, da música e da pintura. É preciso buscar, buscar sempre de novo, o caminho, o veio ao longo do qual deve mover-se a arte do cinema."


Andrei Tarkovski - "Esculpir o Tempo"

sexta-feira, 22 de maio de 2009

o brega que é bom

Pelo passeio público do Vila fui abordado por Telma, uma mulher que dizia ser poeta... No dia anterior tive uma aula meio insossa sobre literatura marginal. Telma que acabou me ensinando alguma coisa, me deu um papel, e disse pra eu abrir em casa. Perguntou se eu tinha cigarro, "não fumo", e não pediu mais nada... Disse que era um poema meio brega, "mas o brega que é bom né", rindo, e foi andando dizendo que foi com a minha cara. Claro que eu abri o tal papel no busú mesmo:

eu espero ser outra coisa a cada vez

que você olhar
para que você não veja isso que eu sou
eu espero ser um bem-te-vi
a cada vez que você me olhar...

Sabe, seria claramente lindo se você ficasse
na minha vida por um tempo.
eu gosto quando cava em mim esse buraco de carinho...
que só eu entendo.

Vai, me põe no teu colo
me diz que sou tua filha
e chora no meu seio os teus anos
Não,
espera um pouco.
Deixa eu me perder um pouco na tua casa
e chamar o teu nome...
vou pegar-te um copo d'água
E ficar com essa sensação de te ter em meu corpo

Depois dizem que perdemos nossa delicadeza...
Gostei muito! Abraço Telma!

terça-feira, 19 de maio de 2009

olho grande


Pessoas começam a se aglomerar em torno de uma mesa em pleno sábado, no Mam. O debate se inflama, um fala mais alto, pede a palavra, xinga, risadas coletivas saltam, silêncios e cochichos intercalam toda discussão... Logo estava envolvido por aquela baderna, não sabia como, mas já fui me intrometendo com julgamentos voyeurísticos. Toda aquela dinâmica não podia passar despercebida por minha falta-do-que-fazer-da-porra, mas afinal, do que se tratava? Prestei atenção a tantos detalhes, olhares, no entanto nem sabia ainda a razão daquilo. Um pensamento mais rasteiro me levou a achar que poderiam ser estudantes resolvendo crises para uma futura formatura... Outro pensamento mais pretensioso me fez arriscar que se tratava de um grupo jovem de partido político, ou quem sabe evangélico... Não, nada disso se encaixava naquele mundo particular. Aquele anonimato gritante me angustiava! Meu olhar foi buscando outras referências... Um deles usava uma camisa com uma imagem já meio desgastada, fui decifrando, ligando pontos, e percebi que era uma mulher sorridente, com um cara do lado... Uma moça fechou o caderno com a capa colorida, estava de cabeça pra baixo, mas não desisti. Fui lendo lento: C-a-l-y-p-s-o... Normal, mas logo depois ouvi palavras como “show”, “ônibus”, e pra matar um celular chamou com uma guitarrinha que remetia a imagem da capa do caderno. Sim, era o encontro semanal do fã clube do Calypso, e como eu demorei pra perceber. Desde último encontro regional de estudantes de história que não via tamanha contenda. No entanto o nome da vez não era “Marx” ou “Thompson”, e sim, “Joelma, Joelma”. O único momento de consenso foi quando comentaram a respeito do novo comercial do suco em pó Fresh. “A vida é mais legal quando tem Fresh!”, em coro.

Outro sábado, outro mesa, outro museu, outra reunião. As pessoas se abraçavam, sorriam, conversavam receptivamente, fumavam e tomavam coca. Nenhum suspense. Era reunião do Greenpeace. Estranho a falta de debates, discussões. Ficaram horas desfilantes com camisas com frases de efeito, e depois de algumas horas agradáveis se dispersaram quase como os personagens da malhação depois de uma festa. Só sei que o fã clube do Calypso foi muito mais instigante de acompanhar... E isso o quer dizer afinal? Que o fim está próximo?

Talvez, mas certo é que meu olho é grande.


Fã Clube - http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=64005889

Comercial do fresh - http://www.youtube.com/watch?v=Q7WyvWkRh1M&feature=related

Greenpeace - www.greenpeace.org.br

sábado, 16 de maio de 2009

tão, tão...

Paul Klee: "Som Antigo".

a fúria dormiu na rua
comeu um pão velho do lixo
rosnou pro cão sarnento
mijou em cima do cego

a fúria era filha da puta
e da rua,
fudeu com o medo
no beco cheio de rato

O sorriso da criança vai sumindo lento enquanto ela adormece no colo da mãe...

Pois um mundo assim tão, tão ... é o que temos!

(Escrito na porta do banheiro mais próximo...)

domingo, 10 de maio de 2009

chuva nas idéias

Acordar com as primeiras piscadas desajeitadas e sentir o leve ardor dos olhos, se deparar com a janela entreaberta revelando um cenário cinza e chuvoso entre os prédios, é irremediavelmente inspirador pra mim. Há anos uma frase ecoava em minha memória:

"Venha a chuva e caia sobre mim,
Sobre minhas idéias...”

Composta com Leo como canção na varanda de casa, acabou como tantas outras, inacabada, perdida aos acordes do momento. Restou-me esse trecho, e nele me apeguei nesses dias molhados, e resolvi assim liquidar essa dívida com outros versos e melodias. Um ócio criativo regado a café, filme, pernas esticadas no sofá, e todas essas tranqüilas sensações privadas que dias como esses podem trazer... Tudo isso contrastou drasticamente com o quadro agoniante e confuso que se apresentava do lado de fora. Como sempre as imagens nos falam, nos revelam as palafitas que sustentam nossa cidade... Um suspiro de ridículo me subiu por trás da orelha ao notar que meu pretensioso olhar poético se alimentava justamente do que derrubava, paralisava, e transtornava tantos outros. Questionei minhas intenções, o que me instiga a criar. Questionei aquela simples idéia imperativa de que a chuva podia muito pelo contrário nos aliviar dores, securas... Que ela pulsando do céu pudesse lavar e levar gostos amargos que o cotidiano às vezes nos condiciona. Lembrei da "Rosa de Hiroshima" de Vinícios. Há de se ter muita coragem, além de talento, pra falar de tragédias tão absurdas de maneira tão sensível, bonita, agradável, sem perder o tom denunciante da palavra. Lembrei de "Guernica" de Picasso, do "Grande Ditador" de Chaplin, dos poemas de João Cabral. Todos esses clássicos exemplos de fantásticas criações que me certificam que não há maior função de um artista que potencializar a reinvenção de mundos, de se responsabilizar por eles. Lembrei de Paul Klee quando disse que a arte não reproduz o visível, mas que nos faz ver, como Bergman nos revela em "O Sétimo Selo": o artista que enxerga o lirismo em meio à constatação dos nossos maiores medos. Pra mim não existe futuro sem essa ousadia, talento... e coragem!
"Se for preciso eu repito
Porque hoje eu vou fazer
Ao meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito"
Paulinho da Viola

quinta-feira, 7 de maio de 2009

e n t r e v i s t a

Divertida a sensação de ser entrevistado. Minhas palavras faladas normalmente tão livres e soltas, agora escritas e organizadas... Mais uma coisa pro meu currículo de vida. Quem quiser conferir aí está o blog da entrevistadora, amiga e historiadora Iara Canuto.

http://todosdizemxis.blogspot.com/

sábado, 2 de maio de 2009

"Deus, Deus"

Ele gritou "Deus" umas duas vezes no quintal... Alguns pássaros passaram como se perdidos por cima,"ali Deus", pensou então... Resolveu seguir a lógica e lançou mais dois chamados, mais agudos, e embolados em gargalhada (chamar Deus já fazia parte então de uma brincadeira que parecia dar certo)... Dessa vez nada aconteceu... Ainda com a cabeça pra cima esperou mais uns segundos até o pescoço cansar, baixou e foi descendo o olhar até encontrar o chão marrom de terra. Ali passavam formigas com o clássico pedaço de folha sobre as costas.Agachou curioso, e elas seguiram direção pros seus pés, como se entendidas da observação, mas logo se afastou ele com pequenos passos limitados pra trás..."Aí ó Deus de novo".
Acompanhou o caminho das pequenas criaturas agora de pé com certo receio. Sim havia mesmo razão sua mãe ao dizer, "chama por Deus minha filha", na sala de sua casa enquanto a moça choramingava... Agora como se quisesse ter certeza do seu poder, foi ao banheiro e disse baixinho entre as mãos, "Deus, Deus". A resposta veio da porta com a mãe questionando aos berros o seu trancafiamento... Ele saiu explicando "estou chamando Deus, achei duas vezes". A mãe arqueou sutilmente suas sobrancelhas, perturbada por dois segundos... Os seguintes foram recheados de outros berros, impulsionando o choro assustado do filho, que tomando a vez agora de arquear a sobrancelha, o bico, foi desengonçado obedecer à ordem materna de sentar no banco virado pra parede. Piscante, cochilou cansado de murmurar, e de susto voltou a si com o som da vassoura no quintal. As lágrimas já secas no rosto lhe vez lembrar da vizinha que chorava ali outro dia na sala. Não entendeu... Se quando choramos mandam chamar por Deus, também quando chamamos, choramos. Claro, não pensou com tamanha destreza, só não entendia... Bom era chamar e ver as coisas vindo, como se pra nos ajudar... Formigas, passarinhos... E cochichou ainda mais baixinho que no banheiro “Deus, Deusinho”, e ali bateu o olho na parede pálida que lhe cercava a visão...
E lá estava ela, vindo em sua direção.