terça-feira, 29 de abril de 2008

sexta-feira, 18 de abril de 2008

O Sorriso de Marx

A velha vista dos prédios altos ao meu redor sempre me intrigou, afinal as janelas e varandas parecem sempre vazias, dando a estranha impressão de que não são habitadas... Praticamente nunca vi a cara das pessoas que vivem ao lado, a não ser por sombras e vultos nas janelas e corredores. As vezes tal bizarra convivência condominial é adocicada por alguns cumprimentos perdidos no meio do playground. Numa noite qualquer observava a coreografia das luzes da TV que acontecia entre o vizinho ao lado e o de baixo, elas piscavam e coloriam num sincronismo exato as solidões, os individualismos norteados pelo controle remoto. Essa imagem parecia sintetizar nossa “liberdade”: um fantasma que nos rodeia constantemente em um enorme vazio que não é notado, pensado... E assim de repente numa fila supimpa de supermercado, a gente pode ouvir o entusiasmo de uma moça de bolsa vermelha ao tagarelar sobre as vantagens do novo celular, que teve que ser urgentemente adquirido após um assalto ocorrido no Vale do Canela. Fiquei segurando uma risada carregada de conflito, afinal o tal furto parecia ter sido mais fonte de alegria do que de tristeza. Enquanto isso nesse mesmo corredor, como se já não bastasse, ia temendo um mosaico de revistas coloridas que iam me acompanhado com olhares sedutores, frases arrebatadoras: “Como ficar com Unhas de Novela”; “Gildásio ameaça Celeste na Casa de Ferraço!”... Uau, carambolas verdes!! O lance ficou mesmo bizarro mesmo quando me deparei com uma estante carregada com Kafka, Oscar Wilde, e nada mais nada menos que Marx, Karl Marx. É, “O Manifesto Comunista” em edição pocket... Acho que o choque me levou a fantasiar um leve riso na foto clássica do velho barbudo, mas acho que era eu que estava transferindo pra Marx aquele meu riso anteriormente contido, mas que era um sorriso do tipo “sem-graça”, seguido por uma confissão: “Eu também não to entendendo essa orgia doida porra!”
Alucinações marxistas a parte, acho que há uma porção dessas cenas em cada esquina, prédio ou shopping, e não dá pra desviar o olhar, seria muita irresponsabilidade, acomodação acumulada. Me parece que os vizinhos fantasmas, a moça de bolsa vermelha ou o ladrão do celular não estão sequer catando coquinho pra isso. A reprodução desse caos é desejada o tempo todo por eles! E custa mesmo pensar isso?! Dói escrever?! Vale a pena?! Leite com manga?! Confesso que eu me pergunto tudo isso com uma vontade de xingar a mãe do açougueiro... Ainda bem que esse niilismo todo é passageiro, porque eu sei que há por aí muita gente boa interessada em mudar as coisas, e que podemos nos aproximar com por outras luzes, por outros corredores... Né?!

POr:ramon