segunda-feira, 24 de maio de 2010

Recife Frio – Por uma ciranda de todos

Logo na primeira imagem de Recife Frio percebemos que o diretor e crítico pernambucano Kleber Mendonça Filho parece buscar encaminhar seu curta-metragem através de uma espécie de estética do clichê. Como nas típicas ficções científicas apresenta um primeiro letreiro “Daqui há alguns anos…”, que logo se converte em um programa televisivo, mesclando estratégias documentais e ficcionais. Notadamente interessado em subverter tais gêneros cinematográficos Kleber conduz sua inusitada história, onde a capital pernambucana é tomada por uma brusca mudança climática, após a queda de um meteorito na praia.
O frio invade a cidade e traz consigo também a possibilidade de questionar o modo como as pessoas viviam antes e quais estratégias para lidar com a nova situação. A habilidade criativa do filme ao fazer uso de vários elementos narrativos e estéticos intensificam a elaboração de uma audaciosa crítica sobre os costumes e valores desses habitantes, de como desenvolvem suas relações e contatos. A intensa especulação imobiliária, as relações de classe, o consumo, o shopping center como espaço de socialização, entre outros elementos que a cidade reproduzia não parecem mudar como o clima, apenas variam os modos de manter uma mesma lógica cotidiana. Essa interpretação do diretor da cidade é carregada de irônia, um humor que surge justamente do lugar mais evitado: as ruas. A rua dos repentistas, do artesanato, da feira livre.
Onde estão as pessoas?, pergunta o repórter em espanhol. O modelo de reportagem televisiva norteia o filme através de um olhar estrangeiro, não apenas da equipe de reportagem que cobre tal fenômeno, mas também é compartilhada com o francês dono de uma pousada de praia. Esse elemento discursivo além de reforçar a sensação de frieza também questiona uma visão turística e comercial na qual a cidade há muito tempo foi condicionada.
Ao final, estrapolando os limites da câmera documental e distante Kleber Mendonça parece apontar pra uma possibilidade, reaproximando com o contato simples das mãos dadas, girando em uma ciranda regida por Lia de Itamaracá, em uma praia gélida, contrastando com a cena inicial onde um violão é ensacado por uma equipe de cientistas. Essa arte fora dos enquadramentos das vitrines, dos conceitos, da estéril segregação, comunicando uma efervescência popular capaz de revelar pontos de luz e calor, mesmo diante da desumanização fria do concreto.

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