
O frio invade a cidade e traz consigo também a possibilidade de questionar o modo como as pessoas viviam antes e quais estratégias para lidar com a nova situação. A habilidade criativa do filme ao fazer uso de vários elementos narrativos e estéticos intensificam a elaboração de uma audaciosa crítica sobre os costumes e valores desses habitantes, de como desenvolvem suas relações e contatos. A intensa especulação imobiliária, as relações de classe, o consumo, o shopping center como espaço de socialização, entre outros elementos que a cidade reproduzia não parecem mudar como o clima, apenas variam os modos de manter uma mesma lógica cotidiana. Essa interpretação do diretor da cidade é carregada de irônia, um humor que surge justamente do lugar mais evitado: as ruas. A rua dos repentistas, do artesanato, da feira livre.
Onde estão as pessoas?, pergunta o repórter em espanhol. O modelo de reportagem televisiva norteia o filme através de um olhar estrangeiro, não apenas da equipe de reportagem que cobre tal fenômeno, mas também é compartilhada com o francês dono de uma pousada de praia. Esse elemento discursivo além de reforçar a sensação de frieza também questiona uma visão turística e comercial na qual a cidade há muito tempo foi condicionada.
Ao final, estrapolando os limites da câmera documental e distante Kleber Mendonça parece apontar pra uma possibilidade, reaproximando com o contato simples das mãos dadas, girando em uma ciranda regida por Lia de Itamaracá, em uma praia gélida, contrastando com a cena inicial onde um violão é ensacado por uma equipe de cientistas. Essa arte fora dos enquadramentos das vitrines, dos conceitos, da estéril segregação, comunicando uma efervescência popular capaz de revelar pontos de luz e calor, mesmo diante da desumanização fria do concreto.
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