sábado, 22 de maio de 2010

Pequenas reflexões sobre o silêncio

-Amigos. Desejaria tê-los, ao menos que fosse um, já seria de bom desejo. Um que fosse para me distrair. Tornar-me-ia impaciente e expulsá-lo eu ia para sua casa. Seria ele entendido da minha agressão. Amigos não se queixam dessas agressões, pois a amizade sabe se proteger das feridas do ego e isso contribui uma ótima compreensão da parte deles. Nem precisam se mostrar por pensadores maçantes estes, basta o meu ato para que captem todo o universo à volta. Tenho, porém, infelicitado silêncio. Confesso-me que é bom, é meditado quando se sabe dosar na cumplicidade do equilíbrio. Porém, como às vezes se faz por amigo, agora o mando para o inferno calamitoso, e ele me responde com ele próprio: o silêncio. Sinto-me desajeitado, falta-me a honra que sempre me fiz gabar. Ausenta-me o brilho dos olhos de quando era um infantil, o que tenho a estes é a secura de um abestalhado. O silêncio, agora volto a uma nova reflexão sobre este que me apareceu neste segundo, é o eco de si próprio. Quero dizer que nada nele ressona e se grito no seu interior, nada da minha voz é ecoada. O silêncio é imbatível, possui constituído nele, pelas forças da natureza, a barreira inquebrável e suprema, dominante e macabra. O silêncio é silencioso. Venho a pensar também que o silêncio não é a falta de som, o que é elegantemente impossível, porém é o conjunto de sons que já nos são imperceptíveis e insignificantes. Um galo do meu vizinho me canta um “Glogó” em bom som, alto demais para ser imperceptível, sempre às quatro da madrugada, mas já é por mim decretado silêncio. Se ele canta, eu já sei que se trata do galo “Glogó” do vizinho, com o mesmo “Glogó” decorado e cantado da mesma forma. Porém se um dia o galo, por desânimos da vida, morrer, o que parece ser a lacuna para o silêncio – a falta de sua cantoria em “Glogó” – torna-se um sábio barulho da ausência. O silêncio, contradigo-me à idéia anterior - mas sem desprezá-la - é barulho.


-Sou um bom desocupado. Sinto-me auto venerado por isso. Outrora me coloquei disposto à concentração do barulho dos pássaros. Deitei-me no pé da árvore, servia esta de morada para uns tantos pássaros, que eram estes em quantidade bastante para que me servisse o experimento. O som dos pássaros era só o som deles mesmos. Deleitei-me, após cansativos tempos de apreciação, em não mais ouvi-los como pássaros. Era agora o canto dos ratos se acasalando. Após reflexivos tempos de apreciação, o que era o canto dos roedores transformou-se em choro canino, em canto dos pneus freados... o susto que tomei, tomei o tal como embalo para novas surpresas. É verdade, não posso esconder os fatos, que o canto dos pneus freados persistiu com muita vontade de não sair da minha mente. Porém seguiram-se horas - até dias, para quem crê num pouco de absurdo verdadeiro e que o tempo seja tão relativo – e eu já era capaz de ouvir no canto dos pássaros o barulho do mar, de crianças no piquenique, mulheres risonhas, tiroteio no velho oeste... e então, assombrei-me: o silêncio. O entusiasmo me fez esquecer-me deste, tirano impiedoso, que me fez lembrar que não tenho amigos.


-Descobri uns ontens atrás que o silêncio é a falta de significado. Tentei me impor ao meu inimigo. Passei o dia da manhã gritando, cantando e em conversas altas para mim mesmo. Não usei a arma certa. Calei-me por me achar abestalhado; também conversar comigo mesmo só me lembrou o que eu já sabia que me falta um ombro amigo. Falar e cantar perdeu significado para mim, portando virou silêncio ao me calar. Para meus vizinhos houve um significado importante, fato que não os fez entender meus gritos como silenciosos. Gritaram enraivados até os nervos, dando de volta o que os entreguei. Tive uma confiante lição de que gritar frases sem explicação nos toma como loucos, fato este que desprezo enquanto creio haver razão no meu corpo. Compreendi também que do silêncio não há fuga. Se você tenta combater faz por parecer a si mesmo como um tolo abestalhado e com vergonha do próprio ato.


Por: Sonho Estranho

3 comentários:

subliterato disse...

Ilustríssimo Sonho, irreverentemente vc acabou quebrando meu silêncio de pequenos barulhos noturnos pois ao terminar o texto externei um belo ''foda'' numa intensidade pulmonar misturada a uma consciência maldita que me faz barulhar a cada coisa realmente interessante que leio e vejo.

Eloquente composição poética, laudativa, amorosa, dividida em estrofes simétricas para esse nosso raro amigo discreto.

Tássia disse...

Quem é "Sonho Estranho"? Toda essa angústia e pessimismo não poderiam ser seus... A criatura mais feliz que eu conheço.

Também gostei! Quero conhecer o Sonho (hahaha essa frase ficou engraçada)

MeNina disse...

"Tenta-se em vão ler para não ouvi-lo, pensar depressa para disfarçá-lo, inventar um programa, frágil ponte que mal nos liga ao subitamente improvável dia de amanhã. Como ultrapassar essa paz que nos espreita. Montanhas tão altas que o desespero tem pudor. Os ouvidos se afiam, a cabeça se inclina, o corpo todo escuta: nenhum rumor. Nenhum galo possível. Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio?"

Clarice Lispector