sábado, 15 de maio de 2010

Pra que rimar....

Era madrugada.
Ela tocava sua barriga levemente suada, sentindo o vento lerdo do ventilador ao lado... Ia do umbigo até a ponta do nariz, riscando lento com o dedo. Depois de gozar o melhor pra ela era ficar passeando com a mão sob a barriga suada, olhando aquele teto de quarto riscado. Era a segunda vez que ouviam Caetano cantar "pra que rimar amor e dor?" naquela noite. Nos últimos tempos eles sempre ouviam Transa do Caetano enquanto transavam. Ela nem gostava daquele disco no princípio quando ele colocava pra tocar, denunciando desejos. Aos poucos ela foi se apegando a certos momentos, melodias, mudanças de tom, marcando seu prazer junto as músicas. Ficavam de You don't know me até a metade de Triste Bahia, se chupando e se arrepiando, gargalhando e falando qualquer absurdo que lhes surgisse. Era justamente quando a música ficava mais lenta que eles se aceleravam. Gostavam desses contrastes... Dançando fora do ritmo, se entregando ao descontrole. Ela sempre tentava colocar um pedaço da pele na parede ou no chão frio pra contrastar com o quente do corpo trêmulo. Quando o disco começava a tocar pela segunda vez ela já era vermelha, por cima, cantava seus gemidos quase que tão altos como os de Caetano em Nine Out Of Ten, mas sempre segurava até It's a Long Way, e logo aí um pouco depois já se cansava de limites, se largando ao prazer sem nome, no desconhecimento de si, da música, dele, da cama... tudo era uma coisa só. Era o sinal pra ele a acompanhar.
Ficavam depois curtindo seus cantos com dentes e dedos. Barriga, pé, nariz. Cantando baixinho Mora na filosofia, um pro outro, atuando ridículos pra si próprios. Pra que rimar amor e dor? Pra ela, naquele momento a música tinha se convertido em sua música favorita.
- Ouvir transa enquanto transamos... Engraçado. - Disse ela.
- Olha aí como somos pessoas descoladas, passa o óculos escuros.
- Pare, besta.
- É sério. Caetano as vezes sabe entreter.
- Mesmo tão triste.
- Sei que esse nome ele colocou na época por causa da Transamazônica, li em algum lugar.
- Pô, então é mais protesto que sexo?! Que saco...
- Vale pros dois. Sexo com protesto.
- É, boa! Se fosse assim tão bom ter prazer e ainda assim tentar mudar as coisas.
- Já foi.
- É, já... Agora parece o inverso.

Ainda trocaram algumas palavras banais. Ela se estica até não poder mais, ele da janela olha a rua molhada, ordinária como sempre lhe pareceu. Ficam ali, longe de si, ouvindo Neolithinc Man com pensamentos que sempre seguem conversas sem fins objetivos. Minutos depois de Nostalgia, se ajeitam, se banham, se deitam antes de lembrar que existe amanhecer.

- Próxima vez quero Mutantes. - Disse ela.
- Ok, podemos fazer uma revisão sexual da música popular brasileira.
- Fechado... Depois rodamos pelo mundo.

Riram juntos, dormiram.

3 comentários:

Marília Palmeira disse...

Foi Che quem disse que quando pensava na revolução, tinha vontade de fazer amor. Gostei do texto!

Joelma disse...

Adoro essas suas guinadas de temas! Me deixa sempre na expectativa do que virá depois... O que será que ele vai inventar agora?

De um divertido texto sobre objetos perdidos, você nos brinda com Cortázar e Jonh Cage de uma vez só, em seguida um tapa de reflexão com Utopia e barbarie(vou assistir para comentar), e agora esse sugestivo e sincrônico duo de música e sexo!
Transa é de fato um dos melhores albúns de Caetano! Impossível não gostar!
Adorei "atuando ridiculos, e ri muito com "Revisão sexual da música popular brasileira"
muito bom!
Quando for rodar o mundo, experimente Marvin Gaye e suas músicas cheias de pequenas mortes...

subliterato disse...

esse tal che sabia das coisas..
toda tentativa de revoluçã0 é uma transa, kkk