segunda-feira, 3 de novembro de 2008

um do outro.

"... ela me encarava sorrindo, com os mesmos olhos que encontrava antes nas manhãs, um olhar que nos conectava e expressava que éramos parte um do outro. É difícil imaginar sensação de maior conforto e serenidade do que esta, que surge da ilusão elaborada de que fazemos parte da vida de uma pessoa a ponto de estarmos verdadeiramente unidos, de tudo estar bem se outro estiver por perto, se apenas nos for dada a chance de saciar os desejos e interesses um do outro, de tolerar um ao outro quando sacrifícios forem necessários e deixar que todo o resto se foda, se destrua e morra, porque não haverá problema. Aquele olhar dela era uma manifestação perfeita dessa ilusão confortadora. Durava pouco, apenas instantes, como qualquer êxtase, mas era eficaz..."

até o dia em que o cão morreu
, Daniel Galera - pág.81

domingo, 2 de novembro de 2008

La muerte es una fiesta !!

José Guadalupe Posada
"A
morte
conhece
tudo
a
nosso
respeito,
e
talvez
por
isso
seja
triste."

As Intermitências da Morte, José Saramago


quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Meu pai já era velho. Passava o dia na cadeira de balanço que rangia a qualquer movimento que ele cometia. Era como um alarme, que provava que ele ainda se mantinha vivo. Se a cadeira um dia parasse de resmungar..
Então se apegou a uma mania de se mexer exageradamente. E a cadeira roncava como nunca. "É somente para nos mostrar que ainda está vivo" falava minha tia. Meu pai já era velho. Caducando. Acho que ele pegou a mania para mostrar a si mesmo.
Tinha uma bengala, que ficava ao seu lado, sempre prestativa. E usava para matar as formigas que ousavam passar por perto. Vez ou outra minha tia ligava a televisão, pela manhã, e o deixava vendo os desenhos da programação. O seu rosto era sempre o pálido e imutável.
A cadeira sempre rangia, a todo instante. Certa vez, ao tentar ligar a tv numa manhã, em que minha tia não estava em casa, se desequilibrou no meio do caminho e caiu. A bengala não estava na sua mão, mas aposto que tinha conseguido matar um monte de formigas de uma só vez. Peguei pelo seu braço e lhe acomodei de volta na cadeira, que até então balançava sozinha e leve, sem um corpo a lhe pesar. Liguei a tv.
Só não lembro exatamente quando a cadeira parou de ranger e as formigas dominaram a casa.
por: gigito

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Nova ótica do Brasil no cinema:

No dia 26 de agosto de 2008 foi exibido pela primeira vez no Brasil, o novo longa metragem dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas, chamado: Linha de Passe. Essa primeira exibição ocorreu em Salvador com direito, após a exibição do filme, a uma mesa composta pelos atores: João Baldasserini, Vinícius de Oliveira, José Geraldo Rodrigues, Kaique Jesus Santos (ator baiano de 12 anos) e o próprio Walter Salles. E para a minha felicidade eu pude estar presente neste importante evento.
O filme Linha de Passe relata a vida de uma mãe e seus quatro filhos que moram na periferia de São Paulo. A luta desses para sobreviver parece ser o tema central da película, mas no decorrer do filme as questões pessoais de cada personagem transbordam na tela, não deixando estas questões de serem os conflitos internos de inúmeros brasileiros.
O que me chamou a atenção foi a nova proposta que Salles traz ao cinema brasileiro. A realidade brasileira continua sendo mostrada na imensa tela, mas a forma que é mostrada foi modificada. Se antes fervia nas produções cinematográficas nacionais as cenas explicitas da violência, tráfico e morte, agora se enfatiza uma outra ótica, a de que apesar de o Brasil atualmente possuir um caráter não muito satisfatório, há uma saída, uma moral que ainda pode e deve ser sustentada. O despertar da consciência de que ainda existe um lugar para um indivíduo que não seja as drogas, o crime nem a morte, de que ainda há sonhos, há vida. O mais interessante é que essa nova metodologia de abordagem não se torna utópica uma vez que ainda é a realidade brasileira o foco central.
Na minha opinião, penso que realmente o cinema nacional não pode estacionar em temas ou modos de abordagem. Foi de grande importância e também necessário a fase dos filmes que deram ênfase à violência explícita, à realidade nua e crua, pois um “soco no estômago” não faz mal para quem precisa acordar e enxergar o que parece óbvio, mas não se vê. Era o que os brasileiros precisavam, entender o universo ao qual estão inseridos.
Apesar de traduzir a realidade do Brasil de maneira menos chocante, é importante ressaltar que a tensão durante o filme e a reflexão sobre o tema exposto não deixam de existir. O que nos surpreende e nos faz valorizar ainda mais a qualidade do roteiro e da produção de Linha de Passe. Não deixe de ver!

Por: Priscila Sodré



sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Amiga.

A Raiva beijou minha boca
Me trouxe a roupa
organizou meu lar...
Me vestiu inteiro, tirou meus pêlos
me levou num passeio a beira mar.

A Raiva se entregou, se despiu
assumiu a culpa
atou meus pés
queimou minha pele, cuidou pra não sangrar

Tratou de me lavar as mãos
antes que pelo chão me fizesse rastejar
Me cuspiu, mas logo pintou os lábios novamente.

"Cante, rápido Cante!"

por:ramon.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Sobre Limite e Fôlego

Enquanto admirava o cartaz do novo filme de Ki-duk Kim, "Fôlego", um Déjà vu incômodo começou a me perseguir... Logo veio a luz aliviante me lembrar a origem de tal sensação: "Limite", de Mário Peixoto. A imagem de homem algemado em torno de uma mulher uniu esteticamente os dois filmes na minha cabeça. 76 Anos separam o antológico filme brasileiro do recente e excelente sul-coreano, e ao assisti-lo percebi como haviam outras coincidências além da "estética das algemas". Ambos são sobre uma mulher angustiada em seu cotidiano, e também utilizam uma série de simbolismos pra abordar o desespero e a angústia humana. A diferença é que enquanto no primeiro a mulher se aprisiona ao homem(e é isso que a imagem representa literalmente), o segundo traz uma protagonista que busca e consegue justamente o contrário, ou seja, a libertação, contraditoriamente unida no abraço algemado de um prisioneiro prestes a morrer. Assim como na "Trilogia do Silêncio", do mestre faixa-preta Bergman, temos que apurar os ouvidos e captar a importância do silêncio (mesmo sendo "Limite", literalmente limitado pela impossibilidade técnica da época) na composição narrativa das obras.
Enquanto os créditos de "Fôlego" começaram a rolar sobre a tela escura, percebi quantas coisas distanciavam tais filmes (escola cinematográfica, origem, ano, etc) e ao mesmo tempo como eles estavam interligados... Pelo menos no meu olhar pretensioso. Nem no Cinema, e nem em qualquer arte, uma obra se constrói por si ou pela da intenção do autor... Acredito que a Arte só ganha uma função direta e prática quando intrometemos nosso olhar, e a contemplamos criticamente. Esses dois filmes ajudam na constatação de como o Cinema de verdade não envelhece, e que o tempo é mesmo só uma invenção, como representado no relógio sem ponteiros de "Limite".

por:ramon.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

"Nós não gostamos de gente!"

"O que você vai fazer no final de semana? Já foi à Ilha dos Prazeres?"

A mulher do século 21 filmada no final da década de 60. Seria esse o fim de Ângela Carne e Osso?! Porra-louca, pretensiosa, chacota, anti-heroína, exemplo de ninguém... Essa é a mulher que Sganzerla nos empurra goela abaixo no escracho cinematográfico “A mulher de todos”. Personagem ímpar na cinematografia brasileira, Ângela é mais que isso, mais do que o contrário da mulher que sorri no comercial de margarina... A profundidade da personagem vai além dos 90 minutos do filme, e sua virulência nos corrompe e se mantém pulsante em busca de interpretações tão interessantes quanto ela. Na verdade a moça é bem direta e se revela logo inimiga Nº1 dos homens, mesmo sendo irremediavelmente dependente dos mesmos. "Eu agora vou me dedicar aos boçais. Homem bacana só dá trabalho". Todas as suas declarações fantásticas participam de uma ciranda de contradições, que servem tanto pra confundir os homens do filme, quanto a nós, meros espectadores, provavelmente seu alvo principal. Além da protagonista, brilhantemente interpretada por Helena Ignez, temos que destacar a melhor coisa Jô Soares inventou de fazer, o hilário marido bitolado de Ângela, Plirtz.

O cinema de Sganzerla é feito de personagens míticos, marginais, que simbolizam sua visão subversiva, cáustica, hilária e maldita da sociedade na qual compactuamos pacificamente. Há a óbvia obrigatoriedade de rever o clássico “O Bandido da Luz Vermelha” para falar mais a respeito, afinal esses dois filmes do diretor se completam em uma continuação descontinuada... Toda essa libertinagem torna o cinema de Sganzerla restrito, hermético, tornando filmes como “A Mulher de Todos” para os poucos que resolvem entregar-se ao seu deleite.

por:ramon

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Umberto D.


Umberto ri...

adoece...

procura por Flick!

Umberto caminha no parque e carrega consigo o seu cão Flick, o único ser que parece o tornar ainda uma alma encarnada nesse mundo.

Ele tenta se matar, mas logo volta a brincar com Flick, e as crianças correm no
parque.

Umberto sou eu solitário, sou eu velho, sou eu feliz... somos todos nós!

domingo, 3 de agosto de 2008

eu também já tive essa vontade...

Gnarls Barkley - "Who's Gonna Save My Soul?"

domingo, 27 de julho de 2008

rETALHOS

"...Ah, eu quero te dizer
Que o instante de te ver
Custou tanto penar
Não vou me arrepender
Só vim te convencer
Que eu vim pra não morrer
De tanto te esperar
Eu quero te contar
Das chuvas que apanhei
Das noites que varei
No escuro a te buscar
Eu quero te mostrar
As marcas que ganhei
Nas lutas contra o rei
Nas discussões com Deus
E agora que cheguei
Eu quero a recompensa
Eu quero a prenda imensa
Dos carinhos teus."

Antes do início da próxima música ela desligou o mp3, queria continuar com aquela, mas em silêncio. Pensou nos versos, desvirou os olhos e pela janela do ônibus viu um dia azul de sol e falou, para si mesma: "o mundo não parece assim tão triste". Pensou em todas as cores que se confundiam, em todo o brilho que quase agrediam seus olhos e naquele sol que insistia em iluminá-la.

Desceu no ponto seguinte quase relutante, a viagem estava boa. Percorrer os olhos pela cidade parecia deixá-la renovada, como se a velocidade pudesse subverter toda aquela insensatez atroz e corrosiva. Observava, agora devagar, a multidão que lhe envolvia, e que em outros momentos certamente lhe deixaria irritada. Seu olhar cuidadoso se perdia nos rostos, lojas, conversas, até paralisar num velho que parecia, assim como a árvore que repousava suas costas, emergir do concreto do passeio público. Com as pernas cruzadas de maneira engraçada e com um minúsculo resto de cigarro entre os dedos, o moribundo mendigo estava à deriva. Seu olhar envolto de vazio só encontrou maior justificativa ao seguir o cachorro que vinha em sua direção. Sua mão pousou na cabeça do animal e por um segundo o velho sorriu... Ao organizar aquele testemunho, ela lembrou do seu escritor preferido: "um leve momento de beleza invisível me tocou os olhos, e eu vivo, respondi, e respondo...”.

Nos segundos seguintes ela se deu conta que estava ali fazendo parte de toda a cena, sendo também o cachorro, o velho, o olhar...

por: Nina/ Ramon
e música "Sem Fantasia" - Chico Buarque


sexta-feira, 25 de julho de 2008

Cafe De Los Maestros

A sensibilidade de unir a força e a beleza do tango com a abrangência de sensações que uma tela de cinema pode provocar coloca o documentário “Café dos Maestros” no patamar dos grandes documentários contemporâneos. A paixão pela arte desses mestres nos arrepia a cada música, a cada história... Seguindo a trilha do também excelente "Buena Vista Social Club", o filme resgata e prova a força de um estilo musical aparentemente ultrapassado, dando-lhe vida através das pessoas e do espaço no qual foi produzido.

Cinema e música pra nos fazer chorar, rir e viver mais!

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Saramago

...pois desde a aurora do mundo sempre os incêndios atraíram os homens, há mesmo quem diga que se trata de uma espécie de chamamento interior, inconsciente, uma reminiscência do fogo original, como se as cinzas pudessem ter memória do que queimaram, assim se justificando, segundo a tese, a expressão fascinada com que contemplamos até a simples fogueira a que nos aquecemos ou a luz duma vela na escuridão do quarto. Fôssemos nós tão imprudentes, ou tão ousados, como as borboletas, falenas e outras mariposas, e ao fogo nos lançaríamos, nós todos, a espécie humana em peso, talvez uma combustão assim imensa, um tal clarão, atravessando as pálpebras cerradas de Deus, o despertasse do seu letárgico sono, demasiado tarde pra nos conhecer-nos, é certo, porém a tempo de ver o princípio do nada, agora que tínhamos desaparecido. ...

O Evangelho Segundo Jesus Cristo, José Saramago - Pág. 168/169

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Eis o estado que vos falo, como se já viesse discorrendo antes disto escrever, cinicamente depreciado, tanto apavorante, espantoso. Desde o princípio, o bicho homem, crente em sua soberania existencial, mostrou-se flexível aos obstáculos da natureza. Pois assim, tão aparentemente intenso e potente, viveu com toda eficácia até os dias de outrora. Porém tão frágil e débil assim também sempre fora, e nunca bastou um caso, pequeno que fosse, para lhe pôr em desequilíbrio. Ora, por ser um bicho tão inteligente, abotoado ao raciocínio, devia ter a obrigação de esperar o que o destino já estava a trazer. Caso tal que não chegou como uma tempestade, determinada em consumir toda sua energia em um só tempo, mas sim ocorrendo aos poucos. Daí o bicho homem, em toda sua astúcia, instituiu apegos miraculosos e simples para que se sentisse protegido de qualquer desgraça. Permita-me falar, sem rodeios, no que veio a calhar: tais apegos se constituíram, pouco a pouco, em próprios infortúnios.

Pois o homem, tão adequadamente fiel à sua religião, ao seu Deus todo protetor, amigo misericordioso, erudito, amável criatura divina dos céus impossíveis, foi se perdendo gradamente até os dias a que quero chegar.

Não se sabe como começou, mas alguns bichos, ao analisarem os seus dias, talvez com uma criticidade um tanto decadente, ou quem sabe correta (não há o que duvidar nos tempos atuais), começaram a pregar uma greve. Porém, não era esta uma tão comum agitação trabalhista, em busca de melhores condições no emprego; nem havia de ser algo parecido. No começo, tudo fora visto com os olhos do absurdo. Mas, o bicho homem já estava numa situação tão precária e urgente, conseqüência do seu desrespeito com o ambiente que se relacionava, que aos poucos foi se acostumando com a desvairada idéia. No intuito de uma auto proteção, ou talvez numa insuficiência de se encontrar um culpado específico, o homem entrou em greve de vida. A todo tempo gritava aos céus por uma melhora na qualidade da existência, numa esperança incoerente de que Deus, ou algum anjo, estava a ouvir e assim fizesse, como numa negociação entre empresário e operário. A situação que o homem deixou chegar ao mundo era tamanha horrenda, que poucos ateus restaram, e estes próprios foram se deixando levar aos poucos pelo desespero. Começou com um corte na higiene: era proibido o uso de água para se banhar. Assim durou por meses. Os homens, ao verem a indiferença do Empresário Divino, resolveram, então, por consenso, proibir o uso da alimentação como fonte de vida. E foram vivendo de água até vedarem o seu uso também. É claro que muitos faleceram logo e se foram. E era esta a estratégia. Achavam que a morte geral iria pôr a população em extinção, e assim o Empresário Divino iria então ceder aos pedidos de “mais igualdade, menos desgraças, mais felicidade, menos pobreza, mais honestidade, menos poluição, mais paz, menos violência, melhoria na educação, o fim da corrupção e do vício...” Eram tantos os pedidos, que é óbvio imaginar a variedade. Acontecia de uns, como sempre egoístas, extrapolarem nas exigências de negociação. Ouvia-se desses: “casa melhor; aumento do salário; colchão mais macio; aprender a nadar; o fim do ronco; gripes mais fracas, estabelecendo um novo limite máximo para as febres, que só iriam até os trinta e oito graus; fim da miopia...” Passando-se os meses, alguns decididos já se suicidavam na certeza da morte próxima. Outros resistiam, suportados somente pela esperança de seus pedidos serem aceitos. Foi um momento raro em que todos os bichos homens estavam reunidos por um único ideal. Não durou muito até que a raça humana estivesse em aniquilamento, e logo depois extinta.

Não sobrara ninguém. A não ser pelos bichos animais, que passaram durante este tempo na mesma simplicidade de enfrentar a vida.

Aí, então, todas as exigências finalmente foram cumpridas: sem violência, mais paz, o fim da corrupção, do vício, das desgraças... Lamentavelmente não havia restado um humano para perceber que o Empresário Divino sempre fora justo e não os havia decepcionado: demorado de ceder aos pedidos, porém assim tinha feito. Talvez um pouco tarde demais... Antes tarde do que nunca!


por:gigito.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

"Parto. Perdido. Partido.
Vago. Não penso. Divago.
Falta. Pedaço. Quem?
Raro. Macio. Quase-alegria.

Saudade das coisas que talvez nunca teve, talvez não tenha vivido, talvez não tenham existido.
Falta das pessoas que talvez nunca teve, talvez fosse sonho, talvez não existam mais.
Sumiram as peças do quebra-cabeças de poucas peças.
Parece que é preciso aprender a brincar com o jogo de uma peça só. Uma só peça. Sem cor.
Um brinde aos clichês, à angústia incontida, às três da manhã. "


por:leo

domingo, 1 de junho de 2008

J
oão
morreu ontem à noite. Ninguém se importou. Seu filho mais velho estava
num bar, seu filho do meio namorava e o mais novo dormia. Sua mulher estava na casa da amiga vizinha assistindo a novela das oito. Também tinha ouvido os gritos, mas tinha que ver o fim do capítulo.


por:gigito

terça-feira, 20 de maio de 2008

um estar-bem do caralho!!

Foi durante um por do sol em frente ao mar que ele pensava nela, era um clichê cercado por um momento propício em que à brisa bagunçava seu cabelo sem lhe incomodar, enquanto as cores do dia se misturavam com a noite num processo bem lento, leve... E esse “pensar” não se tratava desse “pensar” habitual, gasto, corriqueiro, como: “tenho que arrumar meu quarto hoje”, não, era um pensar reflexivo, que fazia jus a Platão, as poesias de Neruda, as obras de Rodin, enfim, era um “pensar” intenso, quase pedante, artístico! Pra isso havia por trás aquela mulher, uma longa história a dois, risadas, brigas absurdas, noites sem fim, poesias toscas, enfim tudo isso que parece tornar duas pessoas apaixonantemente inseparáveis. Ele chegou numa simples conclusão: queria fazer o melhor pra ela, é meio óbvia, no entanto, as vezes as coisas se complicavam ao ponto em que essa simples vontade parecesse distante, mesmo ele sabendo que no fundo, toda complicação tinha essa intenção de servir para um bem maior, o que nem sempre ocorria. Ele sabia há tempos o quanto esse bem era recíproco: seja pra dividir um nescau com biscoito de madrugada, seja pra fazer uma massagem mal feita ou pra rir de coisas que só eles achavam graça...

Naquela tarde bonita ele só tinha certeza que queria estar perto dela, e ter a pretensão de torná-la melhor com tudo, como ele se sentia, e quem sabe assim o mundo pudesse segui-los... E mesmo se talvez seus garfos um dia, não se agrupassem no mesmo prato, que a proximidade estivesse em lembrar do passado com um sorriso largo no rosto, junto com uma vontade que o outro, mesmo distante, estivesse realmente bem, não um “bem” que responde ao conhecido “como você está?”... Era um “estar-bem” do caralho que ele desejava!

Isso era o que pensava, o que queria, o que lhe inspirava.

por:ramon.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

a canção, o poema, a risada...


Casas simples, bonitas montanhas,
entre elas um bêbado tropeça nos
tijolos enquanto canta, e canta...
A cena engraçada faz rir os que
passam, e do outro lado da rua,
surge uma frase pra completar a
cena...
o velho senhor recita de
sua varanda rosa e tal frase se
mistura com o aquele canto embriagado...
Não se pode enxergar os rostos
dos personagens, apenas a canção,
o poema, a risada...

por:ramon.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Cão sem dono


"Um embrião cansado invade a escuridão da caverna procurando uma saída...
escuto o eco rebatido nas paredes da carne,
refletindo no olho

O desespero da solidão

A preguiça é o sono dos mortos

Minha euforia necessita de calma,

e minha calma, de euforia
Que se foda o resto do resto
da sobra do que resta
O restante é o que eu quero
O amor do instante é o instante
em que estamos perto da batida perfeita
Os olhos são o início do real

Meu cigarro tem um tempo de vida
Minha vida necessita de um cigarro

O que fazer? O que comer?
Será que minha mão ta certa?

Definitivamente não

Preciso de uma coração que bata descompassado

sem ritmo, sem melodia

Não quero a batida perfeita
quero o descompasso
Me dê uma pista, uma lágrima,
mas me dê algo."

Ciro, "Cão sem dono" -
Beto Brant e Renato Ciasca (2007)

terça-feira, 29 de abril de 2008

sexta-feira, 18 de abril de 2008

O Sorriso de Marx

A velha vista dos prédios altos ao meu redor sempre me intrigou, afinal as janelas e varandas parecem sempre vazias, dando a estranha impressão de que não são habitadas... Praticamente nunca vi a cara das pessoas que vivem ao lado, a não ser por sombras e vultos nas janelas e corredores. As vezes tal bizarra convivência condominial é adocicada por alguns cumprimentos perdidos no meio do playground. Numa noite qualquer observava a coreografia das luzes da TV que acontecia entre o vizinho ao lado e o de baixo, elas piscavam e coloriam num sincronismo exato as solidões, os individualismos norteados pelo controle remoto. Essa imagem parecia sintetizar nossa “liberdade”: um fantasma que nos rodeia constantemente em um enorme vazio que não é notado, pensado... E assim de repente numa fila supimpa de supermercado, a gente pode ouvir o entusiasmo de uma moça de bolsa vermelha ao tagarelar sobre as vantagens do novo celular, que teve que ser urgentemente adquirido após um assalto ocorrido no Vale do Canela. Fiquei segurando uma risada carregada de conflito, afinal o tal furto parecia ter sido mais fonte de alegria do que de tristeza. Enquanto isso nesse mesmo corredor, como se já não bastasse, ia temendo um mosaico de revistas coloridas que iam me acompanhado com olhares sedutores, frases arrebatadoras: “Como ficar com Unhas de Novela”; “Gildásio ameaça Celeste na Casa de Ferraço!”... Uau, carambolas verdes!! O lance ficou mesmo bizarro mesmo quando me deparei com uma estante carregada com Kafka, Oscar Wilde, e nada mais nada menos que Marx, Karl Marx. É, “O Manifesto Comunista” em edição pocket... Acho que o choque me levou a fantasiar um leve riso na foto clássica do velho barbudo, mas acho que era eu que estava transferindo pra Marx aquele meu riso anteriormente contido, mas que era um sorriso do tipo “sem-graça”, seguido por uma confissão: “Eu também não to entendendo essa orgia doida porra!”
Alucinações marxistas a parte, acho que há uma porção dessas cenas em cada esquina, prédio ou shopping, e não dá pra desviar o olhar, seria muita irresponsabilidade, acomodação acumulada. Me parece que os vizinhos fantasmas, a moça de bolsa vermelha ou o ladrão do celular não estão sequer catando coquinho pra isso. A reprodução desse caos é desejada o tempo todo por eles! E custa mesmo pensar isso?! Dói escrever?! Vale a pena?! Leite com manga?! Confesso que eu me pergunto tudo isso com uma vontade de xingar a mãe do açougueiro... Ainda bem que esse niilismo todo é passageiro, porque eu sei que há por aí muita gente boa interessada em mudar as coisas, e que podemos nos aproximar com por outras luzes, por outros corredores... Né?!

POr:ramon

segunda-feira, 31 de março de 2008

Manifesto dadaísta

“As borboletas de5 metros de comprimento se partem como os espelhos, como o vôo dos rios noturnos sobem como fogo até a via Láctea...”

Tristan Tzara

“Para muitas pessoas o mundo é tão incompreensível quanto o coelhinho que o mágico tira de uma cartola que, há poucos instantes, estava vazia...”

Jostein Gaarder

“Tudo que precisamos para sermos filósofos é a capacidade de admirar o mundo”

Jostein Gaarder

Capacidade de admirar o mundo!
Onde é que foi parar a sua capacidade de admirar o mundo?
As borboletas de 5 metros de comprimento que se partem como espelhos estão em extinção!
Os rios noturnos não são capazes de subir como fogo até a via Láctea!
Vocês cresceram e perderam o interesse pelas suas próprias vidas.

Dadá sozinho não é nada, não cheira a nada; não é nada, nada, nada.
Assim como vocês quando longe de seus grupos: nada.
Vocês não vêem? Roubaram suas identidades e vocês não foram prestar queixa! Transformaram vocês em uma massa, uma massa que tem o mesmo sabor de dadá: nada!
Assim como seus esforços: nada.
Vocês foram trocados por aquilo que inventaram, não percebem? Vocês não existem mais. Agora o que existe é apenas máquina. Vocês sem as máquinas valem o mesmo tanto de dadá: nada!
Assim como a noção que vocês têm do mundo: nada.
Vocês não sabem de nada, nada, nada! Engolem o que lhe dizem, nem sabe o significado de imparcialidade. Você nem sequer presta atenção no que eles dizem. E eles não dizem nada!

E no que você acredita?
No que você toca?
Mas você não toca em nada.
Tudo te repele.
E nada te atrai.
E vocês inventaram as máquinas.
E as máquinas inventaram o tédio
E agora te prometem entretenimento!
E agora eles destroem a nossa arte.
E você acha que chegou ao fim do tédio...
Mas não...
Por que a observar seu próprio cotidiano é algo que te atrai?

Vocês estão todos acusados: levantem-se! De pé, como fariam para ouvir a Marselhesa ou Deus Salve o Rei! Mas não é para ouvir as nossas palavras, pois elas parecem soar como nada para vocês.
Vejam o que lhes foi privado durante todo esse tempo!
Esconderam-lhes as verdadeiras artes!
As verdadeiras artes são vocês!
Somos nós.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Pela Janela:

Um bolo e convidados

Privilegiado pelo anonimato
Retiro um brilho do olho
E um incômodo da mente,
Como que perguntasse
Se tinha dado em jornal
ou carro de som, o guri:
Nunca tinha ouvido
um "parabéns" vindo de estranho...

A não ser de um palhaço
Contratado há um ano
Para animar os que presenteavam
com um helicóptero que matava gente

por: pauloRIOS

sábado, 5 de janeiro de 2008