segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Um só-riso amarelo

Talvez se eu tentasse desenvolver de outra maneira, afinal... Uma menina me entrega um papel enquanto eu chegava no passeio interrompendo meu pensamento, dou uma rápida olhada, volto aos neurônios. É uma outra tentativa... Opa, o que é isso?! Não havia mais como retornar as minhas divagações internas depois daquele pequeno folheto estampando um número e um sorriso agressivo. Baixei o papel até a cintura, olhei de novo, dei uma risada quase tão sem graça quanto a do rapaz que pedia meu voto. Nenhuma novidade: era um homem, um número e um sórdido riso. O problema é que aquele símbolo da felicidade, parecia ali no fundo um escárnio, deboche representando de uma ponta a outra um certo cinismo que a política nos mete na maioria das vezes que nos lembramos dela. Eu não queria (nem quero) cair naquele tipo de análise simplista e rasa sobre a situação política e blablabla, mas realmente em tempos de eleições as agressões morais e visuais parecem se intensificar, e não mais através dos atos ilícitos e as escondidas, agora é hora de mostrar cores, sorrisos, marketing e simpatia. Levei o folheto pra casa afim de fazer uma análise mais apurada de sua iconografia, afinal certamente o barulho e tumulto da rua contribuem no embaralhamento das idéias. Sim, eu estava certo... Não, ele não está sorrindo. Aquele homem estava desesperado e os seus lábios falsos meio abertos só escancaravam tal situação, como aqueles animais de circo que fazem seu "espetáculo" a base de chicotadas. O voto, proclamado como grande arma de mudança democrática, acaba também nos acomodando em uma zona de passividade, e assim iludidos pelo feito nobre, empurramos nos botõezinhos da urna toda a responsabilidade e culpa até a próxima eleição: sorriso forçado, aperto de mão, toneladas de lixo em publicidade. Ainda encontramos por aí boas risadas, como as apresentadas pelo candidato Tiririca que sabe realmente provocar risos naturais e saudáveis, como a vida deve ser. Ironicamente o bobo da corte parece aos poucos chegar ao trono se aproveitando do absurdo e da piada sem graça que sempre recontamos, sempre lembrando de ser brasileiros o suficiente e de nunca deixar a alegria desesperada perder pra consciência e a razão. Seria um retrocesso ou um processo?
O que sei é que aquilo me angustiou, aquele folheto, aquela ode a falsidade, como num carnaval de imagens engolindo atos e reivindicações, fazendo tudo descer suave e lubrificado num engodo propagandístico onde perdem a memória, mas nunca a pose. Talvez uma amiga tivesse certa quando opinou que todo político deveria ganhar o mesmo salário de um professor pra ver se as coisas começavam a engrenar.
Aiai, há quanto eu não escrevo sobre cinema mesmo?!
Se um riso amarelo realmente pode nos salvar de conclusões e respostas mais sérias, então vamos lá:


9 comentários:

Tássia disse...

Ramones,

Sempre é muito bom quando você nos dá a oportunidade de ver o mundo sob o seu prisma. Você trouxe realmente um olhar diferenciado para algo que eu estava pouco atenta.

Agora, estas imagens dos sorrisos, realmente,ficaram geniais! Vc conseguiu passar a angústia eleitoral da cidade refletida nos sorrisos falsificados

Lindo demais! Parabéns!!!!

Tássia disse...

Não é meio paradoxal que as promessas de transformação estampadas nos cartazes, com seus sorrisos e números, ao mesmo tempo tornem (ainda que temporariamente) a cidade tão angustiante?

L. disse...

Ramon,
tão horrível quanto todas estas formas de poluições que vc citou, é a poluição sonora com estas musiquinhas medíocres ditando números, nomes e promessas que jamais serão cumpridas.
É bizarro constatar que serão eles que decidirão os caminhos da nossa nação, mas... façamos nossa parte, com passos de formiga, porém com muita vontade.
O vídeo está hilário, assisti e terminei com um sorriso verde. rsrs Muito bom!
Abraços.

Falcoa disse...

cara - nome - número

nos entopem com isso até que, por osmose, ou com a desculpa de "não perder o voto", digitemos algum número lá e na eleição seguinte quiçá nem lembremos mais em quem votamos.
Volta e meia passam aquelas belas propagandas que dizem que o voto é um "direito do cidadão", "exerça seu direito de cidadão!", blá blá blá. Eu nunca vi, e acredito que difilcimente encontrarei propagandas do tipo, incentivando ou informando à população sobre outros direitos como pedir prestação de contas públicas, ou mesmo outros mecanismos de participação popular ALÉM DO VOTO [pebliscito, referendo, iniciativa popular por ex.]. Pra que né? O que os candidatos querem é estar "lá"... aí depois, é só contar com nossa inércia da labuta diária.
"direito de voto"... bah! Existem mecanismos de transformação, legais ou não, bem mais interessantes que este! Mas pra pensar neles, ou vc é um desocupado intelectual ou fica esperando que a iniciativa pública te eduque... ou seja, espera sentado!
E só pra terminar (é qse um outro post né Ramon hehe) como disse Bakunin em "A ilusão do Sufrágio Universal": É verdade que, em dia de eleição, mesmo a burguesia mais orgulhosa, se tiver ambição política, deve curvar-se diante de sua Majestade, a Soberania Popular. Mas, terminada a eleição, o povo volta ao trabalho, e a burguesia, a seus lucrativos negócios e às intrigas políticas. Não se encontram e não se reconhecem mais. Como se pode esperar que o povo, oprimido pelo trabalho e ignorante da maioria dos problemas, supervisione as ações de seus representantes? Na realidade, o controle exercido pelos eleitores aos seus representantes eleitos é pura ficção, já que no sistema representativo, o controle popular é apenas uma garantia da liberdade do povo, é evidente que tal liberdade não é mais do que ficção.

Leo Coutinho disse...

Uma ode amarelada ao escárnio. Lugar de ideias fajutas, promessas caretas.
Um pé de caducas verdades, metades completas, mentiras antigas.
Cantigas em rodas, sem sol, sem futuro.
E olhos perdidos, encontrando paredes, pedaços partidos.

Joelma disse...

Pois é, compartilho da mesma angustia sua, sinto como se essa sinfonia de sorrisos, multiplicados cidade afora, fosse um aviso prévio de que as fajutices da nossa dita "democracia" Se perpetuarão e que não há outro jeito. É cruel demais! Ainda bem que você colocou sorrisos humanos ao fim do vídeo. Ufa!

Joelma disse...

Há algo de podre no reino da Brasilandia!

Léa disse...

Jesus disse: "O mal nunca entra pela boca do homem"; Pepeu Gomes cantou "o mal é o que sai da boca do homem"; Ramon mostra: "o mal é o que tá na boca do homem".

Menezes disse...

Pois temos o sorriso engarrafadão
Já vem pronto e tabelado
É somente requentar
E usar,
É somente requentar
E usar,
Porque é made, made, made, made in Brazil.
Porque é made, made, made, made in Brazil. Esse trecho desta música traduz tudo, muito bom.
"Parque Industrial" de Tom zé