quarta-feira, 3 de junho de 2009

GARAPA

Quando soube ano passado do novo projeto de José Padilha pensei que haveria ali chance mais concreta de avaliar sua obra. É audaciosamente corajosa sua tentativa de tratar sobre a fome num documentário, depois de tanto já ter sido acusado em seus conhecidos e polêmicos projetos anteriores. Padilha parece perseguir as dores que nos cercam, e que tanto já banalizamos. Se em Ônibus 174 (um dos grandes momentos do documentário brasileiro recente) e Tropa de Elite ele buscou questionar a violência urbana através do olhar dos seus protagonistas, em Garapa a fragmentação de tal olhar é essencial para entendermos a gravidade do problema, representado nas misérias angustiantes de três famílias cearenses. Os momentos catárticos e os finais trágicos dos outros filmes, permanecem aqui constantes logo nas primeiras cenas, e que não tardam a silenciar os sacos de pipoca que os espectadores automaticamente carregam pras salas de cinema, mesmo cientes do assunto em questão. Em meio ao preto e branco granulado, que parece querer aliviar a dureza das imagens, questionamos nossas prioridades, os tantos absurdos que nos cercam, e tal exercício de (re)humanização não irá se restringir apenas ao tempo da projeção. A água misturada com açúcar que intitula o filme, e que alimenta aquelas crianças parece também descer por nossas gargantas, e é um amargo paralisante que logo se converge em espasmos de revolta. 
Os já esperados debates sobre as inclinações políticas lulistas (ou não) do filme perdem força para um outro muito mais válido: Como pessoas minguam até a morte de desnutrição enquanto políticos passam anos se acusando em seu inferninho central acolchoado?! 
Toda obra cinematográfica já é em si um objeto político, e quando ainda esta se responsabiliza claramente em reapontar tais centenárias feridas, percebemos que nada mais essencial para validarmos a relevância da obra de um cineasta. O olhar seco e direto de Padilha incomodará muitos mais uma vez, e que dessa farta discussão surjam soluções menos vazias, disso já basta a barriga destes tantos.  

4 comentários:

Unknown disse...

Ainda não vi o documentário..mas quero mto assistir..

Me arrepiei ao ler seu texto. emocionante, bem escrito.. :)

O fato é q que a miséria passa despercebida cada vez mais em nosso cotidiano...triste demais isso..

Alessandra Negrão disse...

É, vou ver o filme hoje. Vamos ver se ele é tão penetrante quanto a sua crítica. Legal demais.

MeNina disse...

pode até ser redundância, mas é muito triste ver a tristeza banalizada...

muito bom o seu texto! surtiu efeito, a minha vontade de ver o documentário só fez crescer.kkkkk

SONHO ESTRANHO disse...

quero ver! quero ver!