domingo, 15 de março de 2009

Pequeno ensaio sobre a Incapacidade I

Clarice Lispector dizia em um dos seus textos (acho que de “aprendendo a viver”) que não há beleza maior que o momento da inspiração... E eu fico me cutucando atrás desse tal instante supremo, esse momento quando o artista munido do terceiro olho capta no ar a graça do mundo... A rara graça de tornar o ordinário cotidiano passível de contemplação e deleite coletivo... Ultimamente não tenho conseguido escrever, me falta iluminação divina ou será a inspiração apenas o sucesso em transpor pra fora o que nos perturba por dentro? Penso sobre sua existência, os cantos escuros que ela percorre, se eu posso domá-la... Dei uma boa conferida por meus blog’s preferidos, ouvi Mutantes, disse alto um palavrão genial, olhei pra lua e tudo, mas nada de lâmpada amarela piscando sobre minha cabeça. Imagino então Guimarães Rosa tecendo os primeiros fios narrativos de “A terceira margem do rio”, a profundidade de cada personagem, a frase seguinte... Se o resultado já é sublime, imagine também suas crises criativas, aquilo que não conseguia traduzir em palavra, sua reação ao se deparar com sua incapacidade... Deveria ser bem bonito isso também, o que existiu mas que não podemos contemplar.. É quando a vida parece ter em si toda a intensidade que já é também a própria palavra, a literatura, imagem em carne viva tão vermelha que não há como representá-la... Hoje minha falta de inspiração me leva a celebrar toda obra que não foi terminada, publicada, pensada, filmada... Se juntarmos todo esse Nada, talvez percebamos que é a procura incessante que no fundo é a beleza de qualquer arte.


Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe.
Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona,está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar.
Para escrever tenho que me colocar no vazio.
Nesse vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue.
Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavra que digo escondem outras - quais? Talvez as diga.
Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.


“O que salva é escrever distraidamente.”
Clarice Lispector

4 comentários:

Leo Coutinho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Deniele disse...

Sinto inveja, pelos menos sua falta de inspiração se resulta num belo texto para desesperados como eu.

[Denii]

Leo Coutinho disse...

É bonito descobrir como é belo o inexprimível... Como é belo o silêncio diante do som... Como é bom a pausa diante do movimento... E o papel em branco sobre a mesa, como prenúncio do que é mas não vai aparecer.

MeNina disse...

ando sem inspiração, também. já cheguei até a pensar que perdi meu talento.
como você já disse as nossas próprias conturbações podem ser um fator pra que a inspiração crie asas e vá embora. além de que, sei lá, com a subjetividade é dificil de mexer.

gostei do texto. :)