quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

No meio da tarde

Há vezes em que a gente fica tanto tempo longe que esquece da nossa capacidade lírica. Pois foi assim que dei para me lembrar:
No meio da tarde de um domingo de trabalho, resolvi parar e observar as árvores. "Êta vida besta, meu Deus" foi a única conclusão a que cheguei. E foi pensando em Drummond que comecei a lembrar de versos de Barros e Guimarães..."As coisas desejam ser vistas de azul, que nem uma criança que você vê de ave". "A gente não vê quando o vento se acaba"... "Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira."
E, pensando em palavras que não são minhas, continuaria apenas olhando o movimento das árvores pelo resto da tarde. Senta ao meu lado, porém, um amigo que não via há muito. Com largos sorrisos no rosto, nos cumprimentamos com palavras e abraços.
- Poxa, quanto tempo! – ele disse.
- É mesmo. Você nem vai me visitar mais!
- Sabe como é... Teve uma vez que você ia quase todo dia à minha casa... Eu nunca estava lá. Mas quem sabe um dia não dá para você ir me ver? Ou eu acordo do nada perto de você?! Já aconteceu isso comigo algumas vezes!
Era bom conversar com aquele amigo novamente. Ele tinha aquele ar de loucura e sanidade para nenhum poeta botar defeito. “Tinha algo de calor, poder e flor”. A descrição perfeita! E ele continuou...
- Tem vezes que eu me procuro e não me acho!
- Eu só me acho quando vou ao banheiro, que lá tem um espelho – respondi, rindo – daí saio correndo de medo de eu me pegar.
- Pior que até meu reflexo eu perdi...
Lembrei-me que mantinha na pasta uma foto de poucos anos atrás em que ele aparecia junto a outros amigos. Apontando para ela, disse:
- Ali, oh! Ali você! Meio embaçado, é verdade... Mas o que importa é que ainda é você!
- Ah! Isso já faz muito tempo!
- Mas é você, olha lá! É você!
- Mas nesse tempo eu ainda tinha imagem!
- Mas você ainda tem imagem, fotos são eternas. É sua imagem para sempre.
- São eternas e macabras – completou. – Fotos são macabras, as pessoas ali nas fotos, eternas estátuas.
E sem nem ao menos tomar fôlego da sua fala, levantou subitamente. Disse que tinha que fazer umas composições – era músico. Resmungou que música não deveria ser feita por obrigação. Já andando, fez sinal para que eu o acompanhasse. Antes de atravessar a rua que o levaria à Avenida Cristóvão Colombo, pôs a mão sobre meu ombro e disse:
- Eu só vou saber me desenhar ou, ao menos, me descrever, quando conseguir desenhar meu próprio nariz. Sabe, ele é o que tem de mais expressivo em mim! Sem nenhum exagero.
E cruzou o sinal.

por: luciana costa

6 comentários:

nai disse...

gostei desse. :*

subliterato disse...

é.. sensibilidade pra fotografar, atuar, escrever..
Viva Lu, moça de talentoss!

Lu disse...

O Mon é um bobo.
Disse que não podia dizer que eu atuo bem antes de ver e já tá dizendo aqui.
Mas obrigada =)
O Mon é um moço de vários talentos também. Triste é aquele que nunca ouviu esse cara cantar. :)

lekineka disse...

ousadamente, sem mesmo te conhecer, ou ouvir falar da sua pessoa, arrisco-me a expor minha opinião sobre seu texto: gostei muito. gostei da hitória seja ela verdadeira ou não. gostei do diálogo seja ele verdadeiro ou não. gostei do fim seja ele verdadeiro ou não.

Lu disse...

Muito obrigada :)

Lu disse...

E tudo, para mim, é verdade.
Cobro penas que alguém saiba disso!