sábado, 6 de outubro de 2007

A incansável busca por Vontade

Nosso sufocante cotidiano de metrópole globalizada as vezes beira o insuportável... Salvador, com suas ruas vomitando gente pelos becos, passarelas, esquinas sujas, gritando, vendendo, pedindo, andando, colidindo-se como formigas na busca de uma sobrevivência angustiante. Como Milton Santos elucida, é nesse espaço desordenado que se revelam nossas grandes contradições, e está aí a chance de repensarmos nosso papel enquanto habitantes soteropolitanos.
Muita coisa embaralhava minha cabeça enquanto lia um texto de um outro velho intelectual, que romanticamente relembrava os tempos áureos de nossa província. Aquela nostalgia hippie que descrevia ruas mais belas, a juventude mais engajada, uma produção cultural efervescente, me fez sentir um pessimismo inquietante, e como um moribundo largado em meio aos ratos (literalmente a Estação da Lapa não me deixa mentir). Todo esse delírio por um passado que não vivi me fez instantaneamente filosofar: moramos aqui, mas afinal Vivemos essa cidade? O que ela tem a oferecer pra uma juventude que cresceu cambaleante entre rebolados axé-carlaperianos?! A quais espaços de luta podemos recorrer? Quais lugares freqüentamos e patrocinamos? Aquela menor parcela que tem acesso a comida, educação, etc, a tal juventude classe média, lota os shoppings, os shows do Chiclete, as salas de cinema para ver o Homem Aranha 3, pulam nos carnavais “arrêa-arrêa”, engolindo tudo isso com hambúrguer e uma coca-cola num posto de gasolina qualquer... Mas como exigir mais desses jovens?! Convivemos num sistema que não respeita nem conduz a reflexão, que não valoriza a cultura popular, que não se interessa em garantir noções sobre memória e muito menos nossas responsabilidades enquanto sujeitos históricos. Tudo isso é descartado por não ser facilmente consumível... Debater tais questões se torna tarefa árdua frente a essa dose anestésica da mídia que nos infesta todos os dias, afetando nossa idéia de coletividade, nos carregando de individualismo acomodado e gorduroso. Sim... é isso, mas o que realmente pode ser feito?!
Concordo com Belchior quando ele canta que a voz ativa é uma boa, acredito que a disseminação e discussão de idéias têm um poder transformador, e que a partir da profundidade destas podem ser efetivadas ações relevantes na educação, no meio ambiente, nas artes... Não podemos reduzir nosso poder de mudança só quando há o aumento da tarifa do busú... Há muito mais a ser feito! Temos que nos atentar ao uso de toda essa tecnologia na qual dispomos hoje em favor das múltiplas alternativas de informação e comunicação, essa maior facilidade na circulação dessas idéias, usando as ferramentas criadas pelo sistema para sua auto-subversão.
Há muito tempo Gramsci já dizia: “sou pessimista com a inteligência, mas otimista com a vontade”, creio nessa busca constante em aliar tais sentimentos, para construirmos muito além do que essa conformação ideológica nos impõe, revolucionando a nós mesmos nas pequenas ações diárias sem esquecer as lutas sociais conjuntas. Podemos assim buscar essa outra globalização que o já citado Milton Santos propôs, deixando de sobreviver se arrastando em nossos espaços, para realmente vivê-los.

por: ramon

5 comentários:

Taiane Dantas disse...

Dias atrás assistindo ao filme "Zuzu Angel" eu me peguei refletindo sobre nós e nossa significância enquanto juventude em pleno século XXI. É absurda a diferença das nossas atitudes em relação aos jovens de tempos atrás. Nosso comodismo é realmente vergonhoso. Eu tentei buscar uma razão; pensei em capitalismo e seu egocentrismo acentuado; também pensei em facilidades de uma era em que a autosuficiência berra e falsamente se faz concreta; entre outras justificativas. Mas será que é realmente assim? Será que somos tão fracos a ponto de nos render à sistemas e formatos de vida. Possivelmente. É triste mas é o real.



Amei o texto. "!!!!!!!!" hehe pra ser bem sincera, já que não dá pra ver em meus olhos!

Vida longa ao blog! \o/

eu? disse...

Muito bom o texto!
Eu me senti andando nas ruas de Salvador ao ler... � bem isso mesmo que acontece!

lekineka disse...

véi, penso, respiro, comento essas palavras o tempo todo. faço delas as minhas. sinto alguma coisa gritando dentro de mim e não é um alien. preciso, precisamos, precisaremos, enfim, tomar alguma atitude. porque no papel já não dá mais. com as bençãos de milton santos!!! saravá!!

Héber Sales disse...

muito boa essa frase do gramsci. não a conhecia.
parabéns pelo blog, ramon. há muita coisa interessante nele.
um abraço.

Semidéia Sentimental disse...

Observo que a incansável busca por Vontade do Ramon em 2007 quando filosofou diante da situação que viveu e não viveu... vem se concretizando...quando diz: "acredito que a disseminação e discussão de idéias têm um poder transformador, e que a partir da profundidade destas podem ser efetivadas ações relevantes na educação, no meio ambiente, nas artes..." É gratificante acreditar em algo, viver e transformar...e é interessante ver palavras escritas em outro tempo e conhecer o autor das mesmas em 2012, percebendo a afirmação na vivência quando diz: "...creio nessa busca constante em aliar tais sentimentos, para construirmos muito além do que essa conformação ideológica nos impõe, revolucionando a nós mesmos nas pequenas ações diárias sem esquecer as lutas sociais conjuntas.". Que bom conhecer o caro colega Ramon e reconhecer essas "palavras" em seu presente na atitude viva de sua existência...Obrigada!
E como você escreve:" Há muito mais a ser feito! " ... que se faça por e com Vontade!...
Que sua Vontade de Realizar e Viver como um Adorável Revolucionário seja incansável...