quinta-feira, 5 de junho de 2014

A gargalhada de Zaurinha


Finalmente tirei o lixo hoje. Achei uma lata de ameixa perdida na dispensa e tive a sensação de nunca ter comprado aquilo. Varrer o chão me fez crer por uns instantes que eu estava me cuidando. A água acabou, fervi um pouco. A poeira se ajeitava desajeitada na pá, borrifando no instante. Na esquina percebo que as chaves tinham ficado dentro de casa. Ainda com sacolas plásticas nas mãos sentei na calçada pra tentar pensar numa solução... Aquele quarto já não tava me fazendo bem. Fiquei sentado na pura preguiça de ajeitar aquilo, borrifei o instante. Um cara mandou outro tomar no cu por telefone, um casal passou de beijinhos, um menino de camisa listrada esperou a mãe. A banalidade exposta das ruas tranquilizava as agonias internas. O cão amarelado passou baldio e deu vontade de ser ele, sem chaves ou casa pra voltar. Caminhei buscando um chaveiro, mas as pessoas passavam tão dispostas, fingindo bem um destino interessante, com suas chaves no bolso. Quase abracei uma delas. Ajeitei o cabelo, a camisa, deixei o fim de tarde agradar, mas sabia que não ia muito longe. Essas enganações íntimas já me cercavam há algum tempo. Fazia uma coisa sabendo que não ia terminar. Quantos débitos acumulamos por aí... Sentei de novo enquanto os estudantes passavam rindo em grupo iludidos pela juventude. As telas apáticas dos celulares sendo tocadas com tanto carinho. Que merda. Quis deitar, dormir na calcada, deixar a casa mofar em restos, pães, maçãs e ameixas que nunca mais comeria. Teria que me acostumar de vez com a calçada, com as contas em atraso para sempre. Em atraso para sempre, pá rá zem pri.

Priiiiiiiii.

E quem poderia me achar ali? Quem poderia me cobrar alguma coisa? Sem esforço algum poderia virar uma guimba de cigarro em alguns dias. Um toco, um resto, cinza, normal demais.

Foi aí que senti a mão negra de Zaurinha na minha testa. Ela me afagou como se conhecesse todo aquele perrengue. A doida do bairro entendeu, olhou fundo tapando o sol, tirou meu suor da testa e começou a dançar. Do nada, ali. E riu, como ela riu. De mim, de tudo isso, desse tormento que dizem ser os dias. Disse dançando "Guimba? Tu, tu??", dessa vez gargalhando. Ela repetiu "tu" duas vezes entende? Impressionante. Segui e dancei com Zaurinha. Não vi mais quem passava ou olhava, que movimentos fazia, que carros buzinavam. Segui o vento e os olhos fechados... dali em diante os sentidos entraram em greve até que pude me sentir só de novo. Zaurinha havia sumido. Voltei pra casa atordoado. A porta estava aberta, como a da vizinha, e todos por ali.

Um comentário:

Deise disse...

sempre vai haver uma lata de ameixa no fundo do armário ou um pacote de água e sal escondido geladeira. ainda que ninguém coma.