terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Cisne Negro e a crença no orgasmo cinematográfico

Terminado o filme esperei os créditos acalmarem os nervos e a pausa certa entre a respiração. Confirmei que Aronofsky acredita fielmente em um tipo de orgasmo cinematográfico. Suas tramas se desenvolvem nessa crença em que todas as forças devem se direcionar para um momento, sendo todo o restante anterior do filme mera justificativa para que a catarse final jorre livre e soberba. Em toda sua filmografia - "π (Pi) ", "Réquiem para um sonho", "Fonte da vida", e de um modo mais equilibrado em "O lutador"- há essa mesma obsessão pelo "grande fim".
Acostumado a tais dramas masculinos o diretor se aventura agora em um conto de fadas trágico, tentando um mergulho na persona da frágil bailarina. Se tal escolha parece nobre por outro lado acaba também exibindo a incapacidade dos artifícios utilizados pelo roteiro em garantir a densidade necessária à história nos momentos secundários. As incontáveis tensões-seguidas-de-sustos e confrontos com o espelho se repetem como se o diretor e os roteiristas não quisessem ou pudessem apostar totalmente em uma dramaturgia psicológica mais densa, capaz de usar o tempo a favor das imagens, das revelações, ou ainda melhor, das dúvidas sobre os personagens. Essa proximidade com as fórmulas que a maioria do cinema atualmente se apóia acaba esbarrando com o que diretor conseguiu de melhor em seus filmes anteriores. Como em "π (Pi)" a câmera na mão, trépida se envolve no caos interno da personagem, tornando cada movimento - principalmente nas cenas de dança - uma extensão do corpo. Essa variação entre formalismo batido e talento acaba mantendo o filme em linha horizontal por um bom tempo.
"A única pessoa que está no seu caminho é você mesma" - Há momentos em que um certo didatismo parece querer entregar todo o conflito contido em Cisne Negro, que não tarda a demonstrar que não importa tanto qual verdade ganhe a tela, mas justamente onde e como ela irá surgir. Esse compromisso com o momento é o acaba limitando por vezes a potência discursiva do filme e de como ele quer nos levar até .
Todo o entorno da personagem é explorado através de diversas pistas e referências psicanalíticas, onde por trás da mãe super protetora há uma vilã em potencial contra sua autonomia, do mesmo modo como a colega de balé é rival para o seu grande objetivo de ser a principal dançarina do clássico Lago dos cisnes. Thomas (diretor da companhia de balé) é a mescla da figura paterna e do príncipe que Nina nunca teve e que por isso anseia por alguma atenção/aprovação desesperada. O balé, além de forte elemento estético, ilustra a alegoria da disputa entre as contradições que cercam o mundo de Nina - dor e beleza, leveza e rigidez, a arte e o modelo de perfeição - lhe pressionando não pra fora, mas contra si mesma.
Assim a questão não é tanto se a personagem é vítima de si ou do contexto em que está exposta, mas principalmente de como ela sairá dele. Seu conflito é antes de tudo um grito do corpo (como na história do lago dos cisnes), da necessidade inconsciente de quebrar uma estrutura repressiva mesmo sem entendê-la. Dessa angústia o palco em vez de espaço de redenção se converte em arena de sacrifício, as palmas são como um coroamento da metamorfose, do descobrimento... A consciência de si elevada a emoção máxima, única e irrepetível.

Cisne Negro transborda tudo até não sobrar mais que um silêncio atônito que se permite quebrar com apenas uma ordinária e subliminar pergunta: foi bom pra você?

4 comentários:

claudia disse...

Pra mim foi um orgasmo! A dialética constante entre a leveza aparente que a dança mostra e a rigidez e obediência à técnica que o balé impõe a quem o tem , não como um modo de viver, mas, como a própria vida. A metamorfose de Nina, de menina meiga em energia de sedução além da coreografia, é fantasticamente mostrada em introspecções e analogias com o espetáculo foco. A amiga não representava (a meu ver) só a rival, mas, o medo de poder ser livre e sentir à flor da pele o que as regras, técnicas e normas nos impedem de sugar até a última gota.

Tássia disse...

Ramones,

Li sua crítica e, como leitora assídua que sou, senti que há algo diferente no texto... rsrs

Tou achando que a faculdade de cinema pode estar te ajudando a ser cada dia um 'crítico de cinema' melhor no que corresponde às análises técnicas e tals.

Só que eu espero que o crítico não vença o literato [ou.. o subliterato] que tem, além do olhar clínico, o olhar sensível não à arte pela arte, mas à arte pelo seu contexto, pelo que ela lhe transmite [ao Ramon].

Eu, particularmente, gostei do filme que, apesar de pecar em excessos alguns momentos, tem um saldo final positivo!

Foi bom pra mim... rsrs

bjãooooo

subliterato disse...

eis que a necessidade de mesclar do olhar crítico com a subjetividade acabam nos levando invariavelmente a pender para um dos dois lados as vezes... escrever sobre filmes é só a tentativa de falar da vida, alargar o olhar e principalmente o tato. esse é a busca... valeu tassita!

Iara Canuto disse...

Seu metido! :P
O filme é lindo, beijos.