quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

um testemunho do distanciamento

Quis filmar seu redor, só...

Demorou duas semanas até achar que aquilo tinha algum sentido. Foi em seu último dia que acordou antes do sol e saiu com uma câmera velha. Lentamente foi pescar imagens daquele lugar que não sabia quando voltaria a ver. Começou pela janela, daí pra grama, pros próprios pés, folhas molhadas soltas no ar, ruídos aleatórios fundamentais pro início de qualquer último dia.

Apenas através do aparecimento gradual da luz as coisas pareciam realmente revelar-se, talvez por aquele olhar ter ganhado também aos poucos uma pequena intimidade para que daí sim poder mais que ver, reparar, conceder um pedaço a mais de memória, na verdade extensão artificial onde a cena guardada em frames poderia chegar num futuro próximo a outros, olhos, impressões.

Descobriu um lago ali logo atrás onde jogou uma pedra no meio e esperou que as pequenas ondas formassem um grande alvo como se a espera do apontar certeiro da lente da câmera. Ficou pensando depois do click que poderia ser ele mesmo feito daquilo - uma imagem besta de 13 segundos – um lago qualquer que não sabia ao certo a própria profundidade, reagindo lento a uma pedra largada em seu meio.

Ia seguindo assim atrás de pequenos movimentos que nada tinham de realmente extraordinários, porém tradutores, como sintomas do que inconscientemente sentia. Um ciclista distante, uma casinha fechada... Filmou também três cães sujos caminhando juntos como se pra um encontro marcado, parando e cheirando, sempre se reagrupando. Um último cão pardo mais desinteressado no improvável encontro, se distanciando dos outros de repente percebeu (diferente do resto) aquela presença de olhos cansados... Começou a segui-lo, ele, a câmera. O cachorro agora apartado do grupo parecia quase um guia, melhor, também personagem daquela história esquisita, mesclada sob a ilusão dos sonhos, memórias e mais um pouco de tudo que não se consegue palavras pra se organizar.

Toda essa parafernália de pequenas ações captadas foram devidamente salvas e transferidas, convertidas, editadas, no entanto não tardaram a seguir a lógica que rege toda essa fatídica ordem... Em outro dia, que ainda não se sabe qual, se perderam, esquecidas sem qualquer cerimônia, viraram enfim ausência, sem futuro próximo a outros olhares. Corroídas em som e vídeo surgem agora apenas depois que tapados os olhos - sob a proteção de Mnemósine - inventando diálogos em outros formatos, caminhos.

Deixemos que tudo seja simplesmente aquilo que em essência veio ao mundo cumprir como principal função... ir-se, passar.”

3 comentários:

Tássia disse...

Ah, o famoso 'camino del pensamiento'!

Adriana Dil disse...

Eita, moço expressivíssimo: tanto de punho, quanto de íris; de alma, face e boca. Por el Camiño del Pensamiento es mi Favorito. Siga...

Francisco Gabriel disse...

Gostei muito do vídeo. Ficaram bem bonitos os planos. Sobretudo o da estátua: achei bem legal e bastante expressivo. Gostei também dos planos do quarto e da idéia de profundidade dado pelos cortes. Acho que o vídeo todo propunha para esse olhar além da janela. Gostei da construção do vídeo: o filme começa no quarto e termina no ônibus. Um caminho de volta para um mesmo lugar? Acho que as inserções deram um equilíbrio legal, fazendo alusão, creio eu, a esse árduo caminho que é o pensamento. Parabéns. Só assim para eu conhecer a ectv.