domingo, 4 de julho de 2010

Da baía à ilha – o alívio triunfante de se perder

Havia três dias que eu estava tomando banho com xampu. Andei pelo menos meia hora atrás de um sabonete. Não encontrei. O melhor foi que justamente enquanto me perguntava onde realmente estava, uma mulher me parou na rua buscando informação. Devia estar andando com uma cara bastante confiante pra ela achar que eu sabia onde era a calle h con 17. Assim, mesmo quase perdido, me senti um pouco mais parte dessas ruas. Essas leviandades cotidianas me deixaram mais confortável por Havana, pelo menos nessas quadras ao meu redor. Provavelmente não há melhor modo de iniciar uma relação com uma cidade que se perdendo por ela... Depois claro, sentir o alívio triunfante de se encontrar sem ter que recorrer a um taxi. Fase vencida!
Logo aqui na frente tem uma praça com meninos que entusiasmados pela copa, correm atrás de uma bola do jeito mais improvisado possível. A mãe grita, espera, sorri. Do outro lado está um dos meus pontos de pesquisa, a Associação de escritores e artistas de Cuba. Quase que por sorte aluguei um quarto próximo das coisas que mais quero freqüentar. Há pelo menos dois cinemas próximos, e o Icaic também não está longe. Vedado é um bairro aparentemente residencial, mas que guarda todo tipo de surpresa em suas esquinas. Pequenos negócios familiares, como restaurantes ou quartos alugados para turistas e estudantes é parte do jeitinho cubano de aumentar o orçamento, com ou sem autorização do estado. As prostitutas se insinuam discretamente, outros oferecem charutos e eu ainda não desenvolvi um modo de recusar sem conversar tanto.
O quarto é confortável, grande e com móveis antigos. Sinto-me no quarto da minha Avó, e por isso acolhido. A cama tem espaço suficiente pra dormir nas posições em que os sonhos mais malucos exigem. Há uma poltrona, um pequeno abajur, ventilador e geladeira... Só me falta mesmo uma janela pra me manter em conexão direta com a rua. Ruas tão pulsantes, disformes, de passeios irregulares, dos clássicos carros dos anos 50, das pessoas falando alto em suas varandas.
Vou absorvendo uma pilha de palavras por dia, tanto que minha relação com o português agora praticamente se dá por esses escritos e por alguns livros que trouxe na mala. Outro dia li de uma só vez uma biografia que Aléxis Góis, um amigo do cineclube, escreveu sobre o cineasta Roberto Pires. Voltei à Salvador por algumas horas de uma maneira muito intensa, às vezes me dando conta onde estava, dando uma breve volta com olhar pelo quarto. Desse choque vi quantas pequenas conexões internas estava aos poucos construindo entre os dois lugares. Há muito que ver, que sentir...
Ontem encontrei sabonete enquanto buscava uma feira pra comprar frutas. Comprei dois, água e pasta de dente. Descobri que estou residindo justamente na rua em que a mulher de óculos vermelhos havia me perguntado naquele dia - calle h con 17.
Há muito que se perder...

9 comentários:

Urânio Coutinho disse...

....kkkkk..Estou me sentindo em Havana, me perdendo posso ti encontrar por ai. Viver na realidade é um sempre se perder pra poder se encontrar. Uau Buenas Reimon

Iara Canuto disse...

Com começo e fim, fechadinho e bonitinho o seu texto. Você está aprimorando a arte en. :P
beijos, se cuida.

Katherine Campos disse...

Incrével! Seus relatos são de uma simplicidade que, por uns instantes, fechei os olhos e tive a sensação de estar te vendo do outro lado da rua..hehehe
A saudade já é grande, principalmente das conversas até altas horas da madrugada(hehehe)...espero que aproveite ao máximo essa viagem e que não esqueça das minhas fotos!!! =D

Beijosss!!!

Sarah disse...

Querido, vi tantas imagens neste texto! Gostei muito. E olha, nada de reduzir as convesas na recusa dos charutos, de repente, aí mora algum segredo, que só será sabido mais pra frente.

Beijocas,
Sarah

Tassia disse...

Calma Ramones! Não tenha pressa em voltar a SSA, ainda que virtualmente!

adorei o texto!

:)

Tassia disse...

Pena que seu quarto não tem janela... Isso pelo menos te obriga a sair mais para ver a rua

:)

Paulo disse...

Um diário-obra; é no que o sub se transforma. Viva!

Cláudia disse...

Ramonito,pra que janela se vc já é uma...
Que bom viajar aos lugares que vc vai, só lendo seus relatos.
Você é um artesão das palavras!
Parabéns!

Carlos Vin disse...

foda brother!