"O mundo inteiro é um saco de merda se rasgando. Não posso salvá-lo." *
Foi ali que desistiu... Pluft!
Engasgada em pensamentos perdeu simplesmente toda a crença na humanidade enquanto olhava a rua pela janela do ônibus, meditando sobre a pessoa que durante um bom tempo havia sido a sua preferida. A cidade contorcida pela velocidade parecia cenário perfeito para análise daquelas fúnebres conclusões. Uma mosca se debatia no vidro da janela e parecia ter a síntese perfeita do que ela ali acreditava ser nossa penosa condição - "Nos debateremos sempre na tentativa de voar". Se há, mesmo nas pessoas que mais nos dedicamos e acreditamos, um ímpeto de enganar, omitir, simular, o que seria então daquele resto de gente que passa como cenário borrado na janela do ônibus, que nunca conheceremos, que nunca doaremos um gesto?!
Desdenhando de si, lembrou do quanto acreditava que em cada um havia possibilidade de conceder ao mundo uma beleza, mínima, mas intensa, capaz de direcionar tudo pra um bem maior. Não eram nas grandes revoluções que ela acreditava, mas nessas raras almas que pareciam impedir que enxergássemos a cólera desmedida, que mesmo em qualquer esquina, o mundo é sempre capaz de propagar. Seria só nas pessoas que nos encantavam e apeteciam, que essa responsabilidade tão nobre seria possível. Por aí então estaríamos interferindo em todo o resto (naqueles borrados rostos que nunca conheceremos), partilhando de um longínquo e afetuoso gesto. Era nesse trabalho humanitário que ela acreditava até então. Antes daquilo...
O suor frio que aflorava de sua testa parecia expulsar ali todo o romantismo manco que tanto adorou se enganar. Foi Bukowski* que lhe veio como força teórica pra legitimar e suavizar seu choque.
Ali, naquele instante evasivo, era apenas na plena descrença que queria se apegar, rindo das irônicas forças que regem a natureza humana, de sua capacidade de auto-sabotagem. Lembrou que certa vez observava um velho observar as crianças num parque, onde delirante soluçava baixinho: "é a continuidade trágica... um dia serão monstros como nós". Se antes velho delirante, agora, ali, o velho era um gênio, niilista sim, porém profeticamente corajoso.
Certificava-se de um medo antigo, de que cada um, mais cedo ou mais tarde, haveria de encontrar sua própria forma de atrapalhar/destruir o outro, e o resto continuaria ainda mais comprometido. Assim, entre tantos conflitos e certezas, minha imagem continuava piscando em seu córtex cerebral. Acusado, culpado e condenado por ter lhe roubado aquela idílica relação com o mundo, visão essa que tanto desqualifiquei, mas que cá entre minhas contradições invejava tanto.
Gostaria de mudar tudo aquilo, gostaria de entrar naquele ônibus e fazê-la rir como antes, como quando meu abraço tinha um peso confortável, capaz de dilatar longamente o tempo e o espaço pra uma zona só nossa. Gostaria de ser todos, tudo que ela olhava, cada rosto, cada desconhecido, para imprimir neles, disfarçadamente, um lado que ela gostava tanto de se alimentar, para que assim resgatando sua utopia, pudesse fazer esquecer cada equívoco e falta de cuidado que tive.
Como aquele mosca que ela observa no vidro do ônibus, me deparo com uma histérica paralisia, culpa e arrependimento por ter tirado de quem mais gosto a capacidade que tanto me falta, e a todo resto, de realmente vislumbrar possibilidades mútuas, mais do que apenas esperar que o saco de merda se rasgue sobre tudo.
Lugares-de-coisas-fartas (Pág. 98)
Foi ali que desistiu... Pluft!
Engasgada em pensamentos perdeu simplesmente toda a crença na humanidade enquanto olhava a rua pela janela do ônibus, meditando sobre a pessoa que durante um bom tempo havia sido a sua preferida. A cidade contorcida pela velocidade parecia cenário perfeito para análise daquelas fúnebres conclusões. Uma mosca se debatia no vidro da janela e parecia ter a síntese perfeita do que ela ali acreditava ser nossa penosa condição - "Nos debateremos sempre na tentativa de voar". Se há, mesmo nas pessoas que mais nos dedicamos e acreditamos, um ímpeto de enganar, omitir, simular, o que seria então daquele resto de gente que passa como cenário borrado na janela do ônibus, que nunca conheceremos, que nunca doaremos um gesto?!
Desdenhando de si, lembrou do quanto acreditava que em cada um havia possibilidade de conceder ao mundo uma beleza, mínima, mas intensa, capaz de direcionar tudo pra um bem maior. Não eram nas grandes revoluções que ela acreditava, mas nessas raras almas que pareciam impedir que enxergássemos a cólera desmedida, que mesmo em qualquer esquina, o mundo é sempre capaz de propagar. Seria só nas pessoas que nos encantavam e apeteciam, que essa responsabilidade tão nobre seria possível. Por aí então estaríamos interferindo em todo o resto (naqueles borrados rostos que nunca conheceremos), partilhando de um longínquo e afetuoso gesto. Era nesse trabalho humanitário que ela acreditava até então. Antes daquilo...
O suor frio que aflorava de sua testa parecia expulsar ali todo o romantismo manco que tanto adorou se enganar. Foi Bukowski* que lhe veio como força teórica pra legitimar e suavizar seu choque.
Ali, naquele instante evasivo, era apenas na plena descrença que queria se apegar, rindo das irônicas forças que regem a natureza humana, de sua capacidade de auto-sabotagem. Lembrou que certa vez observava um velho observar as crianças num parque, onde delirante soluçava baixinho: "é a continuidade trágica... um dia serão monstros como nós". Se antes velho delirante, agora, ali, o velho era um gênio, niilista sim, porém profeticamente corajoso.
Certificava-se de um medo antigo, de que cada um, mais cedo ou mais tarde, haveria de encontrar sua própria forma de atrapalhar/destruir o outro, e o resto continuaria ainda mais comprometido. Assim, entre tantos conflitos e certezas, minha imagem continuava piscando em seu córtex cerebral. Acusado, culpado e condenado por ter lhe roubado aquela idílica relação com o mundo, visão essa que tanto desqualifiquei, mas que cá entre minhas contradições invejava tanto.
Gostaria de mudar tudo aquilo, gostaria de entrar naquele ônibus e fazê-la rir como antes, como quando meu abraço tinha um peso confortável, capaz de dilatar longamente o tempo e o espaço pra uma zona só nossa. Gostaria de ser todos, tudo que ela olhava, cada rosto, cada desconhecido, para imprimir neles, disfarçadamente, um lado que ela gostava tanto de se alimentar, para que assim resgatando sua utopia, pudesse fazer esquecer cada equívoco e falta de cuidado que tive.
Como aquele mosca que ela observa no vidro do ônibus, me deparo com uma histérica paralisia, culpa e arrependimento por ter tirado de quem mais gosto a capacidade que tanto me falta, e a todo resto, de realmente vislumbrar possibilidades mútuas, mais do que apenas esperar que o saco de merda se rasgue sobre tudo.
Lugares-de-coisas-fartas (Pág. 98)
8 comentários:
Espero, personagem, que enfim você a encontre. E que com seu abraço cheio de afeto que tranborda de ti ela resgate um pouco do que tanto a alimenta, e retire de sua mente este funestos pensamentos de descrença na humanidade.
Que ela aprenda que uma decepção faz parte do conteúdo do grande saco de decepções de merda mque temos de carregar na vida, as que ao cair na terra toda esta merda vira adubo.
Um abraço, Presuntinho!
Belíssimo texto !
Bjs!
J.
Segundo comentário:
É bom esta garota ir aprendendo que todos nós temos SOMBRAS....todos temos...inclusive ela... e a dela, neste momento, está sendo transferir todas as sombras dela para o presonagem que a decepcionou...é o que acho. Daí tanta descrença no humano...o mesmo ocorreu com o velho, em seu instante de gênio delirante... Jung explica...
acho q é só uma revolta temporária.. dói muito mudar assim, através dos riscos das experiências próprias.. eu espero que ela saiba equilibrar a dor com o bom senso e transformar tudo em adubo...
E aí Ramon!!
Sou eu do mochilão da America Latina... Espero q a gente consiga ir nessa viagem.. Se não for possivel, a gente planeja esses projetos de cinema aí... Vamos mesmo
Cara, tu escreve muito bem... Eu ja te disse isso em um outro post bem antigo q deve ta por aí... O texto está fantástico, cara
Eu ja tive varias descrenças na humanidade... Aí eu durmo desacreditado, mal... e acordo no outro dia com uma esperança de fazer a diferença ou de superar a merda que aconteceu e fazer dela um verdadeiro adubo, para as proximas sementes q eu vá plantar... E as arvores crescem bem melhores depois dessa merda... É impressionante
Um grande abraço, cara!
Cada um tem seu tempo, seus momentos de desilusão.Deixa "ela" perceber e administrar as emoções.
Quem sabe tenha percebido que o personagem não era assim assim tão incomum...
Belíssimo texto.Você sempre surpreende e me faz refletir...
Essas descrenças são super normais... Já tive várias, uma inclusive pelo mesmo motivo que "ela". rs.
Quedas acontecem, e é possível se levantar delas. Fique tranquilo, ela vai voltar a seu normal. E o texto tá lindíssimo.
Beijo
Esse é o mais lindo de todos os textos que você já publicou nesse blog! Vivi ele intensamente: cada letra, cada frase, cada sentido. É totalmente todos nós: Humanos, falíveis e passíveis de engano.
Da crença depositada nas pessoas preferidas, a decepção trazida por ela e a vontade de redenção. Sofri junto com a personagem, revivi momentos em que já estive perdida por alguém a ponto de não ter/ver outra referencia de bem, do que é bonito, do que importa... De cair tão fundo, que acreditar novamente parecia impossível. Totalmente descrente, assim como o velho em seu “momento Nietzsche”. Até passar a dor, levantar e voltar à roda, mais forte, mais capaz de acreditar do que antes. Pensei no autor, no instante da escrita do texto, o que será que o movia? Quanta coisa estaria sentido? Fiquei com vontade de captar todas as nuances daquele instante.
Enfim; é da gente, gostar, acreditar, cair e voltar... É necessário até. É meio como se brincássemos com veneno, mas... Fazer o quê?
Falta de cuidado com pessoas que nos elegem como preferidas. Fiquei pensando especificamente sobre esse relevo que o texto se incumbiu em me revelar. Pensei em mim e nos meus dias... Tentei evitar o sentimento de culpa que o autor verteu sobre os traços de sua escrita, advindo de um equívoco, de uma falta de cuidado. Tentei... pensei se essa falta de cuidado se origina da vontade de voar. Pensei no sabor e no fardo de ser preferido por alguém e pensei em vencer o egoísmo, para que eu possa tomar posição vendo o lado de pessoas que gosto e não ficar esperando que “o saco de merda se rasgue sobre tudo”.
Texto excelente. Assemelha-se com os dias que estão se seguindo. Digo que é “antecipador”, reflexivo (particularmente). É isso.
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