sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Um elogio a subversão - Casamento silencioso

Há uma série de filmes que buscam denunciar as variadas formas de repressão que governos antidemocráticos imporam contra as sociedades, principalmente durante o século XX. A maioria desses filmes acabaram fazendo uso do gênero dramático, numa clara tentativa de se aproximar de uma realidade histórica. Em Casamento Silencioso, filme de estréia do diretor Horatiu Malaele, a idéia é seguir justamente pelo caminho inverso: uma comédia que se ergue em situações aparentemente absurdas e desconcertantes, sem perder o nível crítico de sua narrativa. No filme uma pequena comunidade no interior da Romênia acaba impedida de comemorar o casamento de um simpático casal de moradores, justamente pelo luto imposto pela morte do então ditador da União Soviética, Josef Stalin. É anunciado pelo oficial comunista no dia da cerimônia que por sete dias está proibida qualquer manifestação pública, seja risadas, casamentos ou funerais. Haveria situação mais absurda? É o que as cenas seguintes irão responder.
O filme acaba dividido principalmente através de uma lógica sonora contrastante. Enquanto o barulho domina boa parte do filme através da música, do sexo, das brigas e risadas exageradas, o silêncio (quase) impera na comemoração do casamento, que acontece às escondidas das autoridades. É nessa cena que o filme consegue catalisar mais intensamente a sua força criativa, fazendo referência direta a arte circense e as chamadas comédias-pastelão. Se há no barulho a extrapolação da liberdade e das sensações, haverá no silêncio a capacidade de subversão e revolta contra a censura imposta pelo estado. Através desse excêntrico caso o filme acaba simbolizando toda uma época onde o comunismo foi estabelecido através do autoritário controle sociocultural, tema que tem dominado o recente e premiado cinema romeno, tendo como exemplos mais expressivos a também excelente comédia A leste de Bucareste, e o denso drama 4 meses, 3 semanas e 2 dias. Em Casamento Silencioso não faltam sátiras a esse comunismo vulgarizado, como no momento da tentativa de “culturalizar o povo” através do cinema, mesmo num vilarejo sem energia elétrica, ou no modo como partido é caricaturado. Tendo o início e o final do filme se passando no presente o diretor demonstra tentativa de problematizar essa história recente, refletindo sobre o modo que a contemporaneidade lida com suas memórias.
A hilariante fabulação da realidade que o filme propõe parece querer nos indicar que há possibilidade da felicidade sobrepor-se a ignorância megalomaníaca dos homens, mesmo que conquistada sutilmente através do olhar infantil e na ilimitada vontade de reinventar que a arte cinematográfica nos concede.

3 comentários:

sagaranas disse...

Cinema, história e análise de Coutinho. Fustigante!
Tenho que ver esse filme!

Anônimo disse...

Gostei muito da crítica.
Vou assistir para poder gostar do filme também.
Está legal mesmo!!
Abraço.

J. disse...

Oi,presuntinho!
Enfim, li o texto.
Vc vai ficar metido pois será a segunda vez que digo: adorei!
É, vc tem muito talento para falar de cinema. Suas palavras são compreensíveis, suas metáforas também. Por favor, não vire um crítico de cinema pedante como muitos que vemos por aí, que falam de cinema com jargão de cientista.

"A hilariante fabulação da realidade que o filme propõe parece querer nos indicar que há possibilidade da felicidade sobrepor-se a ignorância megalomaníaca dos homens, mesmo que conquistada sutilmente através do olhar infantil e na ilimitada vontade de reinventar que a arte cinematográfica nos concede. "(Ramon)

Verdade! A felicidade sempre se impõe pelo olhar infantil...lembra-se de A Vida É Bela ?? Adoro filmes assim.

Um beijo!