quarta-feira, 16 de setembro de 2009

trecho 1h45'

Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.

Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

"
O jogo da Amarelinha" - Capítulo 7
Julio Cortázar

5 comentários:

MeNina disse...

Ai, isso é lindo. Mas não me surpreendeu, já tinha lido em outro blog... Rodado, viu? rsrsrsrs

subliterato disse...

é sim, mas
nada melhor que repetir as
melhores citações enquanto vc
lê o dito cujo do livro...

Unknown disse...

Linda citação..
Boa escolha.

Cinemanaveia disse...

Essa seara de desejos me lembrou, Eu ouviria as piores noticias dos seus lindos lábios - Marçal Aquino. Você tem que ler!
Trecho abaixo para instigar a sua curiosidade!


“Poucas vezes me senti tão confortável no mundo, e, no entanto, sofria, por antecipação, o grande vazio que seria o resto da minha existência sem ela”.
“... O que acontece é que, quando estou com você, eu me perdôo por todas as lutas que a vida venceu por pontos” [...].
“Talvez por saber que era o fim, e a gente nunca se comporta mesmo muito bem nos finais; ou talvez por impotência, desamparo, angústia; e também por covardia, não há vergonha alguma em admitir; talvez por tudo isso, e à falta de um nome adequado para a sensação de impotência que me esmagava, o fato é que desabei. Agarrado ao corpo ainda trepidante de Lavínia, logo depois de fazê-la gritar ao ponto de me preocupar com o sono do gerente lá fora, caí num choro convulsivo. Chorei de soluçar e de franzir o rosto e fazer caretas, sem nenhum pudor (existe algo mais despudorado do que um homem nu chorando?, e mais patético). Lavínia beijou meus cabelos, afagou-os, tocou as feridas em meu braço. Disse que o veneno ainda devia estar fazendo efeito no meu sangue. Talvez tivesse razão.”

(Eu ouviria as piores notícias de seus lindos lábios – Marçal Aquino, p. 155).

Isadora Sodré disse...

você leu no blog que eu tô ligada
auhauhahuahua
e você vive me seguindo tb, pra variar vc tb tinha que visitar meu blog
ahuauhhaua
beijos, meu benzinho (: