quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

o velho desejo frustrado do novo

No céu do primeiro dia no ano as espessas nuvens tinham formatos de enormes caravelas, se moviam lentamente em nossa direção como se empurradas pela insistência habitual dos raios solares. Aquela luz, aparentemente impreganada de sentidos especiais, iluminou a areia da praia, revelando distintamente os corpos de casais dormentes dos que queriam presenciar mais intensamente a sensação do novo, completando assim, quem sabe, ainda mais esse sentido, iniciado pelos fogos de artifício queimados à meia noite. No chão, enquanto as sombras eram cada vez mais escurecidas pelo amanhecer, alguns empolgados se largavam nas ondas fortes do mar, enquanto outros levantavam tortos e ressaqueados, apertando os olhos, bocejando forte... De repente, não muito longe, gritos e xingamentos eram cuspidos entre familiares, brigando por alguma qualquer razão desconhecida, chamando a atenção dos mais próximos. A beleza do crepúsculo se dissipava, dando ao desenrolar do dia um peso estranho. Na rua um homem arrasta suas malas embriagadamente enquanto uma mulher lhe persegue, suplicante. O branco da areia carregado de um colorido sujo pelas embalagens plásticas e garrafas esverdeadas de espumante vazias, parecia ajudar a enxergar a contraditória lógica na qual a maioria das pessoas está inserida, seja no velho, seja no novo. Pescando do céu as luzes que possam representar as possibilidades e desejos das coisas boas e felizes, praticam no chão um mesmo e velho caos de sempre, capaz de superar tranquilamente os abraços, sorrisos, saudações e promessas que marcam pontualmente o fim e o início de cada ano. Pela tarde a música das caixas de som se auto impludiam alucinadamente, misturadas as tumultuadas tentativas das pessoas se moverem, colidindo-se, disputando seus pesos e medidas, tentando voltar pra casa em ônibus, carros e motos. Eram hordas enfurecidas que pareciam nem sequer imaginar qual razão que comemoravam aquilo. O primeiro dia do ano lhes serve muito bem como possibilidade de vislumbrar e ensaiar algo novo, mas que nunca é realmente concebido... Talvez seja esse desejo frustrado, malogrando em promessas, que acabe por empurrar os sujeitos pra um modo mais caótico de se fazer, sentir e falar. Eis que revelamos aí, de modo apoteótico, o quanto festejamos nossa incapacidade e mesmice saturada de cada resto de ano.

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Ao que parece, quanto mais nos aproximamos das transformações internas, experiências deslocadoras e intensamente sinceras, cativantes, mais toda essa majoritária e agoniante realidade salta aos olhos, choca, atordoa, ao mesmo tempo que clama também por alguma interferência reagente. Conviver com essa responsabilidade é mover, propagar e integrar as idéias aparentemente mais absurdas, impossíveis.


"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar". Las palabras andantes‎ - Página 310, Eduardo Galeano

8 comentários:

claudia disse...

O mais interessante é constatar que a maioria dessa massa tem como seu principal pedido, a paz!

Urânio Coutinho disse...

Mom
Profundo uma visão dentro da realidade, o contista Ramon direto de AREMBEPUA ....PRAIA das inspirações transcendentais...Uauauauaua

subliterato disse...

por outro lado.. foi mesmo um dos melhores reveillons que já tive..

J. disse...

Hm....nao fico pra ver esse resto de festa...kkkk! a não ser que haja música e eu esteja dançando...aí, sim, saio com o lixo !

Pow...meu céu, dia primeiro, foi diferente...foi um típico céu de janeiro: azul claro e sem núvens.

bjo, Presunto!

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

É diante dessa sensação de perplexidade, ante aos “cenários borrados”, da “luz” que parece impregnar a tudo, que temos, nos seus dois últimos textos, o desenho desse cotidiano de desejos, essa realidade que pode ser metamorfoseada por nossas sensações. Em um trecho bem legal, nos deparamos com as possibilidades dessas sensações (ora visuais ora táteis) que existe diante dos desejos ou do “modo caótico de se fazer, sentir e falar”. Em suas palavras: “O branco da areia carregado de um colorido sujo pelas embalagens plásticas...”. É assim que seu texto nos diz dessa possibilidade feita de palavras, tal como num gesto ou numa lembrança, quando nos deparamos com toda a “mesmice saturada de cada resto de ano” Ademais, fosse tudo apenas tempo, tudo seria como no “céu do primeiro dia” ou, quando não, em mais um gesto afetuoso quando o mundo é um “saco de merda” (adorei essa parte) preste a se rasgar sobre todos nós. Muito legal os dois textos.

Cleide Mota disse...

Eai filhão ....já sabe quem é "Aguia Alada" ....Hoje em " R ... Santiago de Chile ....", 26.01.2010 15:29 acá
kkkkk portunhol brabum ...Segue firme IRON MAN....estou logo ali ...onde tua visão alcançar...tbe´m em teu coração, incentivo e animo a todos os demais ...irmanados estamos
Beijão ...Father.

Cleide Mota disse...

Uauuuuuuuuu misturou tudo ...tô publicano do email da Mother...kkkk vai assim mesmo ..Beijos