Das minhas pequenas notas quis lembrar tudo, e por alguns instantes isso me pareceu a pior das angústias. Registrar, escrever, filmar e fotografar como se o mundo todo fosse sumir no dia seguinte. Essa fome de tudo me persegue desde os primeiros momentos e metros percorridos pelo ônibus colorido que carrega nossa caravana... Desde as grandiosas cachoeiras de Foz do Iguaçú até os detalhes, pequenas sensações e conversas impossíveis de se captar, todas parecem precisar da mesma atenção para que se consiga dar conta de guardar tudo aquilo que é, por excelência, irrepetível. Desse desafio, a relação espaço/tempo vai se desdobrando por uma outra lógica, múltipla: duas semanas parecem dois meses, um lugar abarca vários outros. Milhares de quilômetros tragando paisagens, pessoas, desenvolvendo relações e reconhecendo nossa ignorância, salva graças ao encantamento compartilhado por uma América do Sul de tantas realidades, conhecida até então só através das palavras, poemas, estudos e imagens.
"- Para os europeus a América do Sul é um homem de bigodes com um violão e um revólver -
brincou o médico rindo sobre o jornal. - Não entendem nossos problemas." Virados de costas, nem mesmo criamos essa superficial imagem dos nossos vizinhos, aliás a concorrência com o futebol argentino talvez seja a nossa maior referência sobre o resto do continente. Assim, tão distantes das veias abertas que Galeano pretendeu revelar, não chegamos nem na epiderme desse povo que Gabriel García Márquez também tanto se ocupa. Fico agora me perguntando o que pensava antes sobre o Paraguai ou sobre o Uruguai, e o que imagino dos outros países que irão recepcionar meus ansiosos passos. Esse exercício - do antes e depois - acaba transformando a estrada num espaço de integração não só através das travessias físicas, mas sobretudo por entre as fronteiras internas, que mais que carimbos e vistos, necessitam de um olhar atento e equilibrado para os movimentos externos e coletivos, próprios e sutis.
Contraditoriamente a quantidade de experiências de uma viagem tão incrivelmente audaciosa dificultam um relato mais minucioso... É como se o tempo pra isso devesse ser mesmo póstumo.
"Ah, antes de tudo viver", pensei enquanto folhava minhas anotações bagunçadas, direcionando em seguida o olhar para as pessoas ao redor, acompanhantes de expedição, empolgadas pelas expectativas, vontades e risadas. A angústia de exigir tanto das memórias (fotos, vídeos, papéis e canetas) um registro absoluto do que via e sentia foi se alternando aos poucos para uma leveza alimentada pela noção do incompleto, como numa obra de Rodin. Provavelmente será dessa sensação do inacabado que o dia seguinte não se fará pelo finitude, mas pela... pela...
Sigamos adelante!"- Para os europeus a América do Sul é um homem de bigodes com um violão e um revólver -

Contraditoriamente a quantidade de experiências de uma viagem tão incrivelmente audaciosa dificultam um relato mais minucioso... É como se o tempo pra isso devesse ser mesmo póstumo.
"Ah, antes de tudo viver", pensei enquanto folhava minhas anotações bagunçadas, direcionando em seguida o olhar para as pessoas ao redor, acompanhantes de expedição, empolgadas pelas expectativas, vontades e risadas. A angústia de exigir tanto das memórias (fotos, vídeos, papéis e canetas) um registro absoluto do que via e sentia foi se alternando aos poucos para uma leveza alimentada pela noção do incompleto, como numa obra de Rodin. Provavelmente será dessa sensação do inacabado que o dia seguinte não se fará pelo finitude, mas pela... pela...
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