Sobre o "quase" - Desejo, culpa e redenção em "O Leitor"
A antiga relação cinema/literatura sempre favoreceu um amplo debate sobre a construção do imaginário cultural, através dos seus diversos pontos de confluência e divergência. Questionamos e refletimos ainda mais sobre tal parceria ao nos depararmos com um filme que relaciona em seu corpus narrativo uma forte influência literária, tanto por sua origem em si, como por suas referências. Esse é o caso de O Leitor, filme baseado no romance homônimo de Bernhard Schlink, que traz uma história sobre o encontro de dois personagens em meio à conturbada Alemanha pós Segunda Guerra. Dessa relação incomum, entre um rapaz de quinze anos e uma mulher mais velha, o desejo acaba sobrepondo o desenvolvimento de outras afinidades. Desejo tanto pelo ato sexual, como pela leitura dos livros. O filme, como o próprio título alerta, é sobre Michael Berg e seus conflitos sobre Hannah. A leitura em questão acaba sendo não apenas sobre os livros, mas também sobre a alma da personagem, carregada de segredos e impossibilidades. O contato de Hannah com Michael e com literatura acaba por possibilitar sua re-sensibilização com o mundo. Temos nos livros mais citados justamente os temas que vão impregnar toda história. A culpa, em A Dama do Cachorrinho; o desejo, em O Amante de Lady Chatterley; e a redenção de A Odisséia. É dessa tríade tão recorrente em ambos os modelos narrativos que iremos constatar a maior das contradições do filme. Na ânsia de dar base a essa história com elementos tão intensos que o filme acaba despotencializando a capacidade das imagens falarem por si. O modelo clássico adotado pelo diretor, por vezes prejudica e reduz a um didatismo incompatível com a carga de subjetividade e ambigüidade que a história busca alcançar. Esbarramos assim sempre nesse “quase”, quase sentir, quase se envolver. Ao fim do filme, essa incômoda incapacidade acaba estimulando a leitura do livro (e dos livros), para que quem sabe assim cheguemos a apreciar efetivamente a alma da história.
Como bem sabem os personagens do Leitor, as vezes só mesmo a crueza das palavras pra capacitar os sentidos de sua exuberante percepção.
