quarta-feira, 7 de abril de 2010

Por um cinema de alteridade

Enquanto todo mundo fala da ansiedade de ver a versão burtiniana de "Alice no país das maravilhas", fico dificultando com outras cinematográficas questões: o que implica hoje fazer cinema na América Latina? Há um Cinema Latino-americano sendo produzido de maneira integrada como nos anos 60 e 70? Quando será que esse cinema provocará tamanha ansiedade no público? Ansiedade tipo essa por Alice... Nada contra o Tim, até tenho certa simpatia por alguns filmes dele, mas é inquietante, como sempre foi, sentir a impossibilidade de maiores alternativas na hora de pensar esse cinema como meio de questionamentos, visibilidades, integrações... ah e de diversão também, claro!
Sempre esperamos o mais novo lançamento do antigo remake americano sem ao menos ousarmos encostar nosso nariz em um filme boliviano, cubano, argentino. Questionamentos que vão para além do cinema, mas que perpassa toda uma questão histórica/ política/ social que todo mundo parece já ter ouvido falar por aí, mas que poucos conseguiram assimilar, criticar, atualizar... Onde então estarão nossas novas inquietações e histórias? Provavelmente em Zona Sur ou em La Teta Assustada.
Os Inquilinos, de Sergio Bianchi, talvez. Esses poucos exemplos já nos ajuda a fugir não só de uma hegemônica idéia sobre o cinema, mas também amplia a concepção sobre o atual panorama do cinemalatinoamericano, erguido historicamente como meio de bloquear imperialismos.
O Novo desse cinema atual parece precisar de um S para ilustrar sua riqueza e amplitude, agora desenvolvido primeiro por suas singularidades artísticas e temáticas, mais que por um rótulo, o que hoje acabaria por reduzir maiores capacidades. É justamente por essa diversidade que a circulação desses novos cinemas parecem ainda mais urgentes ao continente. Esses filmes parecem acompanhar complexidades e desafios que a América Latina enfrenta, cada um a seu modo, sem querer diagnosticar ou solucionar problemas. A indispensável eclosão do Cinema Novo (Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Tomas Gutierrez Alea, Fernando Birri, Jorge Sanjinés, Garcia Epinosa, Fernando Solanas) surgiu dentro dessa ânsia por reinterpretar toda uma construção identitária, que agora parece ter desenvolvido suas imagens sem precisar ser tematizada, discursiva, didática. A pungência de O Pântano, filme argentino de Lucrécia Martel, parece um bom exemplo pra essa representação/imagem em simbiose com o discurso.
A capacidade renovada da imagem nos filmes contemporâneos latino-americanos ganham ainda mais sentido quando comparada a mega-filmes como
Avatar, onde a história já mais que conhecida serve quase como pretexto para a produção de efeitos estéticos que ocupem o máximo de tela possível. Essa compulsão pela imagem esvaziada de sentido acaba por nortear a produção americana dos últimos 30 anos, salva por alguns exemplos vindos principalmente das animações e outros bolsões independentes. A própria Academia parece indicar pra um outro sentido dessa crise criativa quando elege com o Oscar um filme como Guerra ao Terror. E O Segredo dos Seus Olhos, quem viu, quem verá? O certo é que apenas nos chegará graças ao brilho da estatueta sobre sua latinidade(?!).
Não há como dar conta mais de conceitos e nomenclaturas como
Retomada do cinema nacional quando há Beto Brant e Daniel Filho lançando filmes num mesmo ano no Brasil... imagine conceituar unicamente todo um periférico cinema do continente?! A ponte de integração desse Cinema Latino Americano parece estar cada vez firmada na sua capacidade de se diferenciar e produzir sentidos múltiplos, em variáveis atmosferas, dialogando e se transformando para além das fronteiras. Outros tempos e olhares que só não mudam na inquietação desses cinemas se adiantarem sobre o nosso interesse.

Proponho então o seguinte exercício de alteridade: antes de ver
Alice, experimentemos Lucrécia!

5 comentários:

Unknown disse...

Adorei o texto!
:)

Unknown disse...
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Carlos Vin disse...

Velho... Texto foda

O problema todo também dessa agonia ou adoração de uma multidão de gente, por alguns filmes da terra do tio sam, como Alice de Tim Burton por exemplo, é que ali há apenas uma "dose", uma porcentagem de Cinema, o resto é Marketing puro... É livro, roupas, DVS, parques, acessorios, midia toda hr... E criam um grande universo, onde uma multidão cai... Gosto de Tim Burton, mas qdo o cinema se torna mais como Quilo de feijão em promoção na TV, eu prefiro aquele cinema que só quer fazer cinema mesmo.

Tassia disse...

Brilhante!
Eis meu belo tapa de realidade!
Acabo por responsabilizar-me ainda mais por deixar o cinema (sobretudo geográfica e cuturalmente) mais próximo de nós escapar-me das vistas...
Entretanto, assim como o cinema brasileiro vem conquistando um espaço importante, as brilhantes obras latinoamericanas que só nos despertam o interesse a partir do Oscar, acabam também por nos despertar a curiosidade de conhecer mais!

carlos b disse...

salve, ramón:
delicia de texto.
"y si entre todos le pegamos una patada a esa nube gris?" - convidava um grafite numa parede em quito.

chaplin diz em sua autobiografia que existe uma espécie irmandade dispersa pelo mundo: gente que tem os olhos e os sentidos postos nas mesmas questões.

seu texto circulando por aqui se oferece como nexo, como ponto de encontro entre esta gente.
o próximo passo é a gente se encontrar nas salas de cinema, em shows, mostras diversas.

seremos poucos, é verdade. mas seguiremos aqui, insistindo em contradizer essa espécie de consenso sobre o que devemos-queremos-precisamos ver-ler-ouvir-sentir-pensar...

tem alguém aí afirmando (pelo silêncio) o tempo inteiro que não existe cinema paraguaio ou peruano, que não existe boa música, boa literatura, dança, fotografia, artes plásticas em países como o equador, honduras, uruguai e um longo etcétera.

podemos sim ver também os mega-filmes, se for o caso, pra não deixar de estar informado do que circula pelo planeta.

mas além dos mega-filmes e best sellers e mais isso e aquilo, sabemos que temos à disposição delicadezas e surpresas como as Historias Mínimas de Carlos Sorín, por exemplo. Além de tudo o que você listou, claro.

Boa viagem, belas surpresas para nossos olhos e sentidos.