terça-feira, 22 de novembro de 2011

Frases de um membro frouxo num percurso de deus


A cidade estava de novo moldada pelo aço febril do sol: a curva das coisas, o modo que as pessoas andavam se esbarrando nos barulhos, nas disputas, na simples tentativa de atravessar de lado nas calçadas abarrotadas. Competiam entre si e o calor, expandindo os corpos com aquela velha e ordinária tentativa de existir de um modo menos desconfortável. Depois de ler três vezes a mesma frase acabei compreendendo melhor o absurdo das palavras, daquelas observações banais. “Apimente a sua relação”. Um letreiro publicitário em vermelho alardeava um curso de pompoarismo revolucionário. Ri de canto. O homem perto do sinal estava concentrado, com a cabeça curvada em direção ao meio das pernas, sujando de mijo um muro com um grafite colorido com outra oração déjà vu : “Penso, logo stencil”. Fiquei imaginando aquelas mulheres em uma sala com ar condicionado barulhento, se observando, pensando na elasticidade vaginal da colega da esquerda. Antes de sair o homem ainda cuspiu no chão, trocando de membro, atendeu o celular. Como deformar uma coisa deformada? A arte se contorce, dolorosa. Será que o comando mental sobre o músculo pubococcígeo, nos músculos circunvaginais e nos grandes lábios da vulva ajudam mesmo? Concentrei, saí da cena, lembrei: Foi toda esticada que a mão dela resolveu pousar sobre minhas costas úmidas... meio flor, meio radar… era querer saber demais de minhas excitações sudoríparas, mas rimos, cúmplices, sem saber muito porquê. Minha intimidade convertida em suor, explícito, confundindo a beleza de sentir poros dormentes com a buzina atroz que me jogava de novo naquela luz exagerada, que expulsava e tragava pro mesmo lugar, mesmo percurso. De qualquer sorte absorvi – nutrido – melhor o redor, mas querendo chuva, chuva sem derrubar a casa de ninguém, sem dar medo pra ninguém, mas desejando mais a forma molhada, fluída e refletida das coisas. Eu era ali um grande lábio desestimulado, cansado da mesma posição na hora do sexo besta, cotidiano. A cidade era aquele mijo secando no sol. Resgatar o escuro, tateando a memória e deformando o que deus criou era o único modo de vencer de novo aquele percurso dormente. 


Ps: Em homenagem ao ônibus Barra 3

4 comentários:

subliterato disse...

O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.

É preciso transver o mundo.

Isto seja:

Deus deu a forma. Os artistas desformam.

É preciso desformar o mundo:

Tirar da natureza as naturalidades.

Fazer cavalo verde, por exemplo.

Fazer noiva camponesa voar – como em Chagall.



Agora é só puxar o alarme do silêncio que saio por

aí a desformar.



BARROS, Manoel.

Alana Barbo disse...

a arte e a tela se contorcem e o que aciona um sentido no outro é mesmo uma forma em desconstrução...

gostei muito desse texto e quando leio um bucadinho mais, encontro (ou acho)o sudoríparo que sái nas bordas do poros minúsculos...

gracias chico!

Marcus disse...

Acabo de perceber que não me lembro da última vez em que olhei para um outdoor.

Tenho interagido muito com cães. Tento fazer com que eles me percebam. Às vezes sinto inveja deles.

É preciso transver como artista e ver como cães.

francisco gabriel disse...

Essas cidades é sempre um overdose de coisas.
Mas até que ponto não é nós a dose-over de toda essa coisa.
Quando estava lendo seu texto fiquei pensando na palavra “game over”
Daí, fiz esse trocadilho com dose-over...over-dose....é dose.
“Penso, logo stencil”.