Eu não queria escrever sobre Tropa de Elite 2 pelo simples fato de que muito já foi dito e se dirá sobre Tropa de Elite 2. Atraído pela lei da desobediência própria me apeguei a incomum idéia do enfrentamento das filas, multidões e sacos de pipocas disputando com o som do filme, pra ver se haveria algo a ser dito sobre esse peculiar produto do cinema contemporâneo nacional.
Peculiar primeiro porque é uma sequência de sucesso comercial, mas que não é uma comediazinha barata dirigida por um Daniel Filho, e que ainda consegue a façanha de ser debatida pela crítica, botecos, puteiros e universidades. A saga Tropaelitiana parece cercada de vários encontros incomuns dentro da nossa cinematografia recente. Sem querer causou toda uma discussão sobre pirataria, direitos autorais e nos modos como as pessoas acabam se apropriando dos produtos culturais através de um mercado paralelo as leis de distribuição habitual. Se tornou um ícone pop, mesmo fazendo uso de um tema tão complexo como a violência e o tráfico de drogas. De alguma maneira o filme também abriu portas para demonstrar que o cinema nacional pode dialogar e ser visto pelo grande público e ainda assim tratar de questões sobre nossa realidade, mesmo tendo em sua narrativa facanacaveira diversos elementos duvidosos que comprometem o poder do seu discurso.
É, normal que o olhar naturalmente se entorte pra tudo isso que vende e desperta muita atenção... Capitão Nascimento, queiram ou não, é um herói, e como todos, débil em sua missão, vítima do seu tempo, submerso em convicções impostas pelas circunstâncias que nesse segundo filme José Padilha quis complicar ainda mais. Se no primeiro filme a linha dramática do personagem estava em se livrar de suas tarefas trágicas em nome de uma vida mais pacífica com sua família, esse segundo se ocupa em revelar sua tomada de consciência frente aos equívocos do passado e do presente, e como pra isso alguns, que não são meros bandidos ou mocinhos, precisam derramar sangue. O filme é uma sequência de desenvolvimento (claramente exposta no sub-título - o inimigo agora é outro) que não se apega a certas repetições dos elementos e jargões que agradaram tanto sua audiência. Mesmo assim, como no primeiro filme, sua estrutura ainda se desenrola sobre a mescla de conflitos éticos/profissionais em pleno choque com questões pessoais/familiares... Daí talvez a comparação com O Poderoso Chefão junto com mais uma centena de filmes que se influenciaram com esse esquema. Todos os personagens - O filho, Matias, o defensor dos direitos humanos, a política, a mídia - estão amarrados num rigor dramático que por vezes nos faz querer reagir para além da poltrona confortável em que estamos encostados, afinal todos que assistem de um modo ou de outro se sentem parte dessa enorme cadeia de injustiça que nos rodeia, mas que aprendemos a conviver e esquecer.
Diante dos últimos acontecimentos no Rio e o modo como Tropa de Elite 2 tenta afundar ainda mais os dedos na ferida, fica claro o quanto esse cinema novo de agora se faz tão urgente numa função que muitas vezes lhe adianta sobre a própria realidade que tenta retratar. A primeira cena do filme carrega a mesma lógica trágica que norteia as estratégias de combate da violência no Brasil, onde o Estado se ausenta por décadas dos guetos e favelas e num belo dia de sol resolve voltar executando, prendendo e recebendo aplausos. Todas essas situações de tensão falsamente resolvidas apenas com mais enfrentamento direto (usando outras palavras menos doces: guerra civil), onde a grande mídia faz seu banquete, como num comercial da Sadia, com tantas imagens fantásticas se repetindo no Fantástico, seduzindo nossos olhares distantes pra um maniqueísmo aparentemente vazio, mas que está carregado de intenções. A varredura da "tropa do bem" no Rio tem interesses óbvios e objetivos diante de grandes investimentos em torno dos eventos esportivos futuros no Brasil, principalmente nessa cidade que chamam maravilhosa, enquanto o povo ali continuará organizado e cercado por outras patrulhas bem armadas, agora mais oficiais.
Como é que as pessoas acreditam que os problemas da segurança pública serão resolvidos com mais fuzis e presos em penitenciárias de segurança máxima?! A resposta não será dada, mas enquanto isso o tráfico se espalhará, se reorganizando em outros quintais, e nos esqueceremos que tal processo de pura desigualdade (palavra que nunca parece perder seu frescor) se arquitetou por décadas e séculos e que não irá se resolver com alguns meses de ação dos super-Bopes junto com o exército, seus tanques e uniformes imponentes. Logo o tempo cáustico e verdadeiro nos dirá na prática que diante dessa visão outros capitães nascimentos surgirão na tela do jornal dando entrevistas enquanto jantamos com nosso mal estar, crendo em uma guerra absurda que conferje homens em escudos de um sistema que sabe bem o que tirar de suas ignorâncias.
Ao final a câmera sobrevoa Brasília como se quisesse passear por toda nossa história dominada e contada por alguns poucos, enquanto esse herói, ingenuamente porta voz de tantas outras, discursa em voz off, nos emprestando um pouco sua revolta personificada e assumida. Com alguns sacos de pipocas silenciosos e vazios acabaremos o filme experimentando esse gosto de que como ele nós só podemos deixar esse irrealizável papel de inocentes e ilesos quando reagirmos diante daquilo que justamente não queríamos ver e enfrentar.
7 comentários:
No primeiro Tropa de Elite eu fiquei um pouco assustada como as pessoas encararam o Capitão Nascimento como o herói que nunca tivemos. musiquinhas nos celulares, e uma enxurrada de "pede pra sair" em todos os cantos. Acho que o Tropa 2 foi uma lição ao público que se encanta com a violência e impiedade "contra" o crime. Entraram [lá na ficção] os direitos humanos e a política para mostrar que há uma rede e que não se pode pensar no crime como um problema da favela carioca, de uma questão estrutural complexa. E veio em boa hora pois agora vemos a vida imitando [?] a arte nos morros e ainda vejo muita gente encarando tudo como um problema de morro. Talvez nas cenas da "vida real", narradas pela mídia como se fosse um filme, não haja ainda espaço para as questões estruturais. Mas algo deve ter mudado; afinal, já não ouço tantos "pede pra sair" como antes...
Um olhar que nos conduz a ter uma visão mais ampla sobre o tema ...valeu
Um texto quase tão impactante e real quanto o filme. Um tapa na cara dos que assistem a Rede Globo admirando o heroísmo dos policiais no Rio.
Grande texto, Von Trier! Nascimento é um personagem que permaneceu pairando sobre nossas cabeças desde o primeiro filme. Sinto que ele continua existindo a partir deste, um herói trôpego, que sofre e que parece dividir com o espectador a sua angústia. Ele exibe a dor de pensar que tem consciência e da incapacidade de ser a solução para o que pensa que vê. É heróico no sentido extenso do termo, porque sacrificou a família e parece estar pronto a sacrificar tudo mais que possa, mas isto não o redime. Aliás, fico com a impressão que o personagem é maior que o filme, maior que Padilha e isso é que torna Tropa de Elite tão sintoma/indício e menos leitura de nosso tempo. Padilha não entende Nascimento e seus dois filmes apresentam leituras redutoras, que anseiam sintetizar o Brasil. Encerrar com Brasília é muito Nascimento, mas talvez mais ainda Padilha... Incomoda-me sobremaneira. Bom... Era só pra dizer: "ótimo texto", mas a verborragia me impede. ;)
joão, pois verborragia nunca é demais principalmente em comentários de blogs.. só aumento a gordura do papo pra dizer que concordo mesmo com esse tamanho histriônico que o personagem recebe de padilha e de como ele perde as rédeas quando tenta ser mais do que é, crendo estar dando a fórmula de soluções... no fundo acho que peguei leve com o filme, kkk
como disse, nada melhor q esses comentários/diálogos aqui.
aloha!
pego leve mesmo!!!!!!!!!
começar com a mesma musica ($$$)
socorro!!!!!
no dia seguinte do lançamento do filme se lançava "O caveirão" em brinquedo para crianças
e a santidade do policial (Matias) treinado pelo Super capitão da santa consciência
Aquinderei!!!!!!!!
são tantas coisas que nem me lembro
desculpa a preguiça na gramatica
Eu realmente “não sei” quais são os interesses de Padilha, além de vender é claro; mas Tropa de Elite pra mim é um melodramatragédiasocipessoal, sei lá, não suporto essa centralização na figura do Nascimento, odeio essas personificações - é tanto que enchi o saco de Sérgio Rezende-, esse drama pessoal que conduz ao labirinto social, que só aparece como plano de fundo da trágica carreira de um “cidadão politicamente correto”. Apesar de toda uma denuncia do sistema de corrupção que envolve políticos, mídia e a milícia, o filme caminha abertamente para abordagem pós-moderna, de que, o dito “sistema”, se reorganiza de tal forma, que impossibilita uma desestruturação dessas redes de poder. Altas palas foucaultianas no filme, usado de forma muito proposital até, para maior persuasão e apatia diante da realidade, que resume em uma total impossibilidade de intervenção ou de se quer pensar outras formas de organização social possível. É a fala do militar que impera, apesar de descobrir na prática a teoria que tanto criticara em relação ao intelectual. Essa personificação na figura de Nascimento se condensa ainda mais no final com aquela fala calorosa diante da plenária de deputados - influência certa da deputada Cidinha (Rio) – que nos faz lembrar os discursos calorosos de Mussolini. Pra mim nada mais que isso o filme é: um retrato pós-moderno com uma vertente personificada em uma figura política militar que nos faz sentir desiludidos com a realidade, mas com um fio de esperança diante de tal personificação, não consigo descrever outra conclusão. O que eu senti ao fim do filme foi isso, um centralismo político militar na figura do Nascimento, como única forma de salvação diante do “SISTEMA”.
Seu texto ta ótimo Ramon.
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