Cinco da tarde, trinta e sete carros, quatro ônibus e sete motos param no sinal vermelho que só voltará a ser verde depois de cinquenta e cinco segundos. São seis os veículos menores que tem mais de uma pessoa em seu interior. Cada uma dessas enquadradas em suas posses diante das poses em pequenos espelhos, reflexos turvos, sombras quadradas. São rostos sós em meio a multidão de metal em volta? Os carros populares no Brasil tem aproximadamente 4 metros de comprimento e um e setenta de largura, cabendo em média cinco pessoas em seus bancos de espuma. As pessoas sentem, mas os números que importam. Números, não pessoas. A cidade não acredita em gente, mas nas numéricas forças mecânicas/elétricas encobertas de metal com design moderno do último ano.
O vento é leve e se desloca sob as mangas rosas vendidas no sinal por pais de família que pegam ônibus pra chegar até aquele sinal de cinquenta e cinco segundos. Pedro tem carro e se sente mais feliz com isso. Recusou as mangas. Tento atravessar a rua, mas minha posição parece alvo e apenas observo a distância que tenho que percorrer até a faixa própria para transeuntes. Me aproximo dela, mas o outro lado ainda se mostra longe mesmo pra passos apressados. Sigo dentro dessa brecha, período de tempo misericordiamente concedido aos desmotorizados quase inválidos por sua condição de impotência e espera. Avelino passa uma pequena toalha rosada em sua testa suada antes de voltar a acelerar o ônibus enquanto Joyce se arrasta entre as pessoas pra descer no próximo ponto. Um pouco a baixo carros parados, travas elétricas, alarme, vidros fumê cobrindo esses pequenos mundos de falsa segurança, que logo voltarão a acelerar lentos entre si.
Quatro, três, dois...
A cena deveria cortar aí pra aquele dia em que o vento se deslocava sob meu rosto enquanto pedalava leve pela avenida próxima de casa. Resolvi seguir, mesmo depois do destino, como se a bicicleta tivesse personalidade maior que qualquer preguiça ou preocupações de fim de tarde, paralisando também qualquer coisa acima de vinte quilômetros por hora. Haveria essa cena, de tão incomum, que ser registrada e do alto, na memória da moça num oitavo andar que acha válido aquilo ficar em si, antes de voltar a limpar móveis que não são seus. Passando uma flanela úmida de álcool sobre a mesa ela quis repetir aquele movimento distante de uma bicicleta descendo uma rua parada, simplesmente sem pressa pra nada. Lembrou de um dia da sua infância, quando num parque próximo de casa também se deixou levar assim por sua bicicleta em oito longas voltas, contadas disciplinadamente a partir do poste de luz quebrada. Lenta arrasta agora o pano até o fim da mesa de um modo estranho, pelo menos pra quem não sabe daquelas memórias unidas, das suas vontades, daquela angústia calada de perceber o número que é. Tomou pra si aquele brecha pra sentir de novo a escolha do movimento, mesmo quase inútil, ilusório, mínimo que seja.
Um.
Verde.
4 comentários:
Que lindooooooooooo!
Impressionanetemente consegue ser crítico sem ser ácido: eu diria até, sendo poético!
aaa queria ser ácido também... kkk
O cotidiano precisa de um enredo e as pessoas precisam de nomes para dar contorno a percepções fragmentadas, para capturas de uma realidade quântica que se mostra de formas variadas, onde uma pessoa é um pensamento – tão fulgáz e desesperado e sensível que precisa de uma morte, de um gozo- , um pensamento desses precisa ser escrito.
Repito as palavras de Tássia. Você bota pra fuder, painho! Conseguiu exprimir meu sentimento ao quase ser atropelada por atravessar a rua enquanto o sinal, para os carros, estava vermelho. São esses malditos números...
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