Cena 3 - Manhã, sala de espera de um consultório médico.
Ele não suporta o olhar gélido da mulher do outro lado da sala. Ela lixa a unha, atende o telefone e sorri como se tudo guardasse o mesmo nível de desinteresse. Ele espera a vez com as mãos levemente suadas sob os joelhos. Se mexe pouco, como se aquilo ajudasse a controlar sua aflição. A capa da revista à sua frente já é quase motivo de asco. Um grande sorriso, uma grande atriz, uma bela merda, pensou. A porta abre e ele agora é chamado para entrar... O médico parece exercer o mesmo personagem da secretária. Ele que agora não se importa, não quer saber ou olhar. Preciso de uma cicatriz doutor. A atenção do médico se renovou. Fazia 3 anos e pouco que ele não ouvia algo tão estranho. Onde? Perguntou depois de devolver as sobrancelhas pra um lugar menos tenso. Inquieto o homem que quer uma cicatriz e que se incomodou com a secretária, com a revista e a cor das paredes do consultório, não responde. Agora o médico toma de vez a palavra explicando o quão cara iria custar tal procedimento, tendo em vista a raridade do pedido. Tudo bem, só preciso dessa cicatriz. O médico começa a escrever algo num papel, balança a cabeça, confere sua agenda, tosse e começa a chorar copiosamente. Em seguida segura firmemente as mãos do paciente. Está constrangido, mas continua soluçando com as lágrimas. Desculpe, eu só precisava chorar um pouco.
Cena 4. Noite - Quatro pessoas sentadas em uma mesa em uma varanda alta.
Rapaz 1 (camisa listrada):
- Não sei se gostei. Não sei se esses dois homens conseguem me transmitir alguma coisa interessante como na cena anterior.
Moça 1 responde (mascando chiclete):
- Calma, pretendo trabalhar melhor esses diálogos. Mas quero mesmo essa estranheza...
Rapaz 2 (esticando o braço):
- Eu gostei porque consegui visualizar cada rosto... Me pareceu familiar, não sei...
Moça 2 (com a caneta prendendo o cabelo)
- Isso apareceu do nada?
Moça 1 (coçando o canto da boca)
- Essa História?!
Moça 2 (rindo levemente)
- É.
Moça 1
- Tive a idéia enquanto conversava com meu avó. Ainda não sei o porquê.
Rapaz 1 (acendendo um cigarro)
- Não precisa ser estranho só pra ser estranho né. Onde estão as razões?
Moça 1
- Quero algo sobre reações, necessidades contidas, mais que razões.
Rapaz 2
- Acho que nunca será gratuito mostrar um homem que crê numa cicatriz, algo pra lhe ajudar a inventar sua história, e outro que achou que tinha a chance certa de chorar.
Moça 2 (surpresa)
Nossa, mas será que é isso?
Moça 1
Que nada, isso é pura carência mesmo.
Todos riem por um instante, mudam de assunto, contam histórias, uma vai ao banheiro, outro a geladeira.
13 minutos depois
Moça 1 (batendo duas palmas)
Ok, vamos continuar...
6 comentários:
Gostei!
Nego...curti muito essas cenas...tem um quÊ de absurdo, de Amelie Poulain e do que de fato é a vida real!
Achei realmente muito legal...tem imagens interessantes!
Bruno Guimarães
isso ainda vai virar imagem..
Bom dia Ramom, Marcelo amigo de Aldaci. Há tempo não o visito, mas quão feliz fiquei agora que o fiz. os detalhes de pura carência fizeram com que eu me encontrasse dentro daquela cena inusitada. e me fizeram lembrar de algo que escrevi, talvez não tenha muito a ver, Mas ao menos ha uma cicatriz em comum, divido com vc e seu amigos leitores; valeu parabéns:
Uma parte de mim é outrora, outra parte de mim é agora.
A outrora de mim, já nem sei, o agora jamais saberei.
Pois o agora se torna futuro de um tempo que nem sei se terei.
Será certo revelar o oculto?
Será lícito embrenhar-se? Onde estaria a grandeza do mítico?
A sublimidade da incerteza, do será,
Que se nos revela bela, sempre que oculta.
Uma parte de mim é secreta, outra parte de mim já nem sei.
O amanhã de mim é certeza, das cicatrizes que haverá no meu ser,
Que sismicamente refreia o que há.
E pondera as estâncias que se revelam embebidas,
Nos temores concêntricos da minha razão.
Meu velho esse negócio vai dar mto caldo...tô na pilha....essas alterações ficaram mto boas...depois qro discutir algumas coisas das cenas.
Precisamos desse proximo encontro presencial...precisamos da gastação coletiva...para gerar mais e mais.
É isso, tô afim!
Ah...Marcelo amigo de Aldaci...curti seu texto, vou publicá-lo no meu facebook...caso n concorde me avisa q apago ok?
Gostei do seu texto...sinto-me contemplado!
Abçosss.
Bruno Guimarães
Alguma familiaridade... não sei pq... rsrs
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