09
Estava assobiando um regaton qualquer quando senti que algo havia acertado minha cabeça. Era relativamente leve, foi o susto que quase me jogou no chão. Paralisado busquei alguém que tivesse testemunhando o ataque. Sorte, ninguém. Perto, no chão, algumas folhas amarradas com barbante denunciavam seu conteúdo. O Granma é o jornal que todo velhinho faz fila pra comprar de manhã cedo. Eu, distante de uma fila, tive a sorte de receber um exemplar na testa enquanto sentia os ares matinais da varanda do apartamento de Margarida. A imensa habilidade do entregador ao arremessar o jornal pra aquele segundo andar, como se fosse uma granada, me fez entender tal sinal, advertência sobre minha desatenção com os meios de comunicação em massa. Dessa maneira, quase imperativa, fui me inteirar da liberdade de expressão socialista. "Gracias caballero!".
Estava assobiando um regaton qualquer quando senti que algo havia acertado minha cabeça. Era relativamente leve, foi o susto que quase me jogou no chão. Paralisado busquei alguém que tivesse testemunhando o ataque. Sorte, ninguém. Perto, no chão, algumas folhas amarradas com barbante denunciavam seu conteúdo. O Granma é o jornal que todo velhinho faz fila pra comprar de manhã cedo. Eu, distante de uma fila, tive a sorte de receber um exemplar na testa enquanto sentia os ares matinais da varanda do apartamento de Margarida. A imensa habilidade do entregador ao arremessar o jornal pra aquele segundo andar, como se fosse uma granada, me fez entender tal sinal, advertência sobre minha desatenção com os meios de comunicação em massa. Dessa maneira, quase imperativa, fui me inteirar da liberdade de expressão socialista. "Gracias caballero!".
26
- E você de onde é? Me questionou a velhinha sentada em uma cadeira um pouco mais distante. Respondi depois de uns segundos tentando reconhecer a localização da voz cansada. Com a mesma capacidade de surpreender exclamou "Roberto Carlos", com um sotaque truncado. E antes que eu desse continuidade ao papo além da risada, me perguntou se ele ainda estava vivo. Ficamos ali conversando até a sessão começar, ela rasgou meu ingresso, me deu a pequena metade e eu entrei pro filme. Me custou um peso cubano, preço simbólico no sentido mais forte de uma coisa barata... Mas tinha um detalhe: "aire condicionado roto". Só em ler o aviso no vidro da bilheteira o calor já se multiplicava. Tinha que chegar calmo, a passos lentos, armado com água gelada e uma folha de papel pra me abanar. A verdade é que depois algumas sessões já estava me acostumando com aquele clima do Cine La Rampa. Na maioria das vezes tal "incômodo burguês" era esquecido com o inicio da projeção, como naquele dia. Mastigando "Underground", de Kusturica, saí caminhando pela rua, agora molhada pela chuva rala. O choque entre ficção e realidade, calor e chuva, personagem e cenário, exalou de novo aquela mesma pergunta de Dona Flora, a velhinha do cinema, se repetindo de uma maneira ainda contestadora... talvez por ter surgido agora em primeira pessoa.
- E você de onde é? Me questionou a velhinha sentada em uma cadeira um pouco mais distante. Respondi depois de uns segundos tentando reconhecer a localização da voz cansada. Com a mesma capacidade de surpreender exclamou "Roberto Carlos", com um sotaque truncado. E antes que eu desse continuidade ao papo além da risada, me perguntou se ele ainda estava vivo. Ficamos ali conversando até a sessão começar, ela rasgou meu ingresso, me deu a pequena metade e eu entrei pro filme. Me custou um peso cubano, preço simbólico no sentido mais forte de uma coisa barata... Mas tinha um detalhe: "aire condicionado roto". Só em ler o aviso no vidro da bilheteira o calor já se multiplicava. Tinha que chegar calmo, a passos lentos, armado com água gelada e uma folha de papel pra me abanar. A verdade é que depois algumas sessões já estava me acostumando com aquele clima do Cine La Rampa. Na maioria das vezes tal "incômodo burguês" era esquecido com o inicio da projeção, como naquele dia. Mastigando "Underground", de Kusturica, saí caminhando pela rua, agora molhada pela chuva rala. O choque entre ficção e realidade, calor e chuva, personagem e cenário, exalou de novo aquela mesma pergunta de Dona Flora, a velhinha do cinema, se repetindo de uma maneira ainda contestadora... talvez por ter surgido agora em primeira pessoa.
02
Quase três da madrugada e eu estava entre as ruas escuras de Havana em um taxi com dois colombianos. Gritando Andrés não parava de repetir que queria ver umas putas, como se não existissem em Bogotá. Em sua última noite em Havana tentava fazer de tudo pra aproveitar aquelas poucas horas, enquanto Hernando explicava ao taxista como chegar na casa do escritor José Lezama Lima. Nos perdemos umas três vezes até encontrar... não as putas, mas a casa. Paramos, ficamos olhando a enorme porta fechada enquanto Hernando fumava um dos seus cigarros amassados. Abri meu pequeno bloco de anotações e anotei a rua, a hora e um palavrão. Pisei num cocô de cachorro, contamos uns casos engraçados, brincamos com as bengalas de Andrés... Rodamos quase uma hora mais naquele Lada branco ano 86. Encostei o queixo sobre a janela, piscando os olhos e misturando as luzes amareladas com o vento salgado, noturno, carregado de direções.
Quase três da madrugada e eu estava entre as ruas escuras de Havana em um taxi com dois colombianos. Gritando Andrés não parava de repetir que queria ver umas putas, como se não existissem em Bogotá. Em sua última noite em Havana tentava fazer de tudo pra aproveitar aquelas poucas horas, enquanto Hernando explicava ao taxista como chegar na casa do escritor José Lezama Lima. Nos perdemos umas três vezes até encontrar... não as putas, mas a casa. Paramos, ficamos olhando a enorme porta fechada enquanto Hernando fumava um dos seus cigarros amassados. Abri meu pequeno bloco de anotações e anotei a rua, a hora e um palavrão. Pisei num cocô de cachorro, contamos uns casos engraçados, brincamos com as bengalas de Andrés... Rodamos quase uma hora mais naquele Lada branco ano 86. Encostei o queixo sobre a janela, piscando os olhos e misturando as luzes amareladas com o vento salgado, noturno, carregado de direções.
17
Estava pensando em algumas frases, alguns emails, pessoas, enquanto acompanhava o som das ondas rompendo-se contra o malecon, o barulho dos carros passando ao lado. Tantas são as imagens que essa ilha nos arremata pela simplicidade... Não importa quantas vezes foi fotografada, filmada, descrita, aqui o cotidiano parece carregado de uma sedução mais apurada. Ciente de que tais diferenças e detalhes eram encontrados nesse romântico olhar quase virgem, estrangeiro, questionei também o quanto havia me aprofundado, ido além de certos níveis do "ver". Lembrei da canção de Caetano "O estrangeiro", que faz mais ou menos essas mesmas divagações: "E eu menos a conhecera mas a amara... sou cego de tanto vê-la, de tanto tê-la estrela, o que é uma coisa bela". Nem tudo é belo em Havana, e pra senti-la precisei largar minhas projeções sobre ela, sabendo apreciar seus cantos não por aquilo que eu queria que ela fosse, mas pelo que ela é. As tantas pessoas que conheci, as ruas que ainda cruzo, tudo que estudei, aprendi e questiono me levam pra um sentido que acredito ser mais amplo, carregado de irreparáveis transformações. Outro não sei se sou, mas sei que nunca mais serei o mesmo. Voltando do malecon comprei maní, tirei umas fotos, cheguei no meu quarto, olhei minha mala, lamentei... Epa, mas espera aí, calma, ainda tenho alguns dias pra celebrar.
Estava pensando em algumas frases, alguns emails, pessoas, enquanto acompanhava o som das ondas rompendo-se contra o malecon, o barulho dos carros passando ao lado. Tantas são as imagens que essa ilha nos arremata pela simplicidade... Não importa quantas vezes foi fotografada, filmada, descrita, aqui o cotidiano parece carregado de uma sedução mais apurada. Ciente de que tais diferenças e detalhes eram encontrados nesse romântico olhar quase virgem, estrangeiro, questionei também o quanto havia me aprofundado, ido além de certos níveis do "ver". Lembrei da canção de Caetano "O estrangeiro", que faz mais ou menos essas mesmas divagações: "E eu menos a conhecera mas a amara... sou cego de tanto vê-la, de tanto tê-la estrela, o que é uma coisa bela". Nem tudo é belo em Havana, e pra senti-la precisei largar minhas projeções sobre ela, sabendo apreciar seus cantos não por aquilo que eu queria que ela fosse, mas pelo que ela é. As tantas pessoas que conheci, as ruas que ainda cruzo, tudo que estudei, aprendi e questiono me levam pra um sentido que acredito ser mais amplo, carregado de irreparáveis transformações. Outro não sei se sou, mas sei que nunca mais serei o mesmo. Voltando do malecon comprei maní, tirei umas fotos, cheguei no meu quarto, olhei minha mala, lamentei... Epa, mas espera aí, calma, ainda tenho alguns dias pra celebrar.
Comente o número do texto que você leu ou que mais gostou e concorra a um prêmio surpresa.
14 comentários:
Pode escolher todos? Rs.
Muito bom, monzito!
Pode escolher todos? Rs.
Muito bom, monzito!
eu escolhi todos e gostei mais de todos!
Mon, fico com o 26.
Gostei de todos tb, mas tenho uma 'atração' por esse número...
É o dia de Papai, é tb o teu dia...
Abraço Bom.
Li na seguinte ordem: 26 - 02 - 17 - 09
Acho que gostei na seguinte ordem: 09 -02 - 26 - 17
Mas não posso afirmar com certeza, não posso afirmar mais nada com certeza, a única certeza que me acerta a testa (como o Granma) é que hoje fecho essa mala e também largo todas minhas projeções sobre a América para seguir um vento também carregado de direções na quarta-feira. Ramonzito! Você está escrevendo cada vez melhor, nos veremos em Dezembro, aproveite seus últimos dias em Cuba, que eu estou aproveitando meus últimos em Salvador!
São capítulos de um mesmo livro maravilhoso!
Li o n˚2 - gostei do texto e do tema, parace muito com coisas obscuras que autores conhecidos gostam de escrever. :)
Aproveito para fazer propaganda do meu blog restaurado: http://cantocanuto.blogspot.com
beijos
Se existe uma ordem nestes numeros, haveria continuidade? Se sim, ainda não posso escolher meu predileto [vou esperar mais posts]. Mas uma coisa eu tenho que dizer: era isso que eu esperava do subliterato e agora, mesmo "antes tarde do que nunca", entendo que estas pequenas notas dizem mais de cuba que velhos manuais. Parabéns!
Eu fui meio tradicional: li de acordo com a ordem que você enumerou. Hesitei, por um minuto, até... Tentei seguir o mandamento de ler apenas um, mas a curiosidade não deixou. :P
A gente sempre tá querendo mais...
bjoooos e até breve!
:)
Cara,
li todos. Comecei com o 17, mas se tivesse que escolher apenas um, escolheria o 26, por diversos motivos: a ida ao cinema, o ar-condicionado quebrado, a pergunta da senhor sobre Roberto Carlos, e a divagação na chuva.
Mas, de fato gostei de todas as narrativas, foi com seu eu pudesse participar de Cuba em alguns poucos minutos. Sentir a brisa do mar, viajar de taxi pra casa do escritor, e quanto sua pisada no cocô, foi foda, né?! hehehe
Fico feliz em perceber que mais que estar em Cuba, vc está impregnado de novos ares e isto exala em sua escrita.
E quanto a pergunta da senhora do cinema: "Roberto Carlos está vivo?!”. Considero-a pertinente,hehehe. Brincadeira, é que gosto mais das suas músicas do passado.
Cara, muitas boas viagens para ti.
Abraços
Ramonzito,
Adorei a brincadeira dos números e não fiquei sem me perguntar a razão de terem sido escolhido estes números e não outros. Seria um bingo diferente? Uma sugestão para o jogo do bicho aqui no Brasil? Correspondem aos últimos números das placas dos táxis que você pegou nas noites de sábado?
Sendo o que quer que seja e até não sendo, fico com o 17; nele vi você mais entrelaçado com os pensamentos despertados pela sua passagem na sedutora Cuba, nele vi você dialogando com as "exigências" que a ilha lhe faz, como a de pedir para ser vista como ela é, e não como você gostaria que ela fosse.
Também gostei de saber que, embora não se sabendo totalmete outro, você se sabe não mais o mesmo, se sabe em transformação, e isso encanta. Afinal, a batida é se deixar ser impregnado pelo espaço onde colocamos nossos pés.
Beijo e capte "o instante-já" ao qual ainda tem direito em Cuba,
Sarah
Monzito,
kkkk ...literalmente cubanês, sinto nos textos 'estoy caminhante' por Havana ..todos me conquistaram ..abraços ...Fhater
02.
Me lembra umas certas noites...
Adorei todos Mones... =)
Mas escolho o 17 e o 26...Me tocou mais..
Seus textos são lindos!
Beijos!
...traigo
sangre
de
la
tarde
herida
en
la
mano
y
una
vela
de
mi
corazón
para
invitarte
y
darte
este
alma
que
viene
para
compartir
contigo
tu
bello
blog
con
un
ramillete
de
oro
y
claveles
dentro...
desde mis
HORAS ROTAS
Y AULA DE PAZ
TE SIGO TU BLOG
CON saludos de la luna al
reflejarse en el mar de la
poesía...
AFECTUOSAMENTE
SUBLITERATO
ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE CACHORRO, FANTASMA DE LA OPERA, BLADE RUUNER Y CHOCOLATE.
José
Ramón...
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