terça-feira, 4 de maio de 2010

Utopia, barbárie e nossa provável condição


Memória como espaço de luta


Meio século, duas horas.
As cenas se entrelaçam, rapidamente somos tomados pelos mais belos discursos revolucionários, as mais perversas imagens de barbárie. Isso é cinema, isso é história. Reflexão em movimento que Silvio Tendler busca nos evocar com seu último filme: Utopia e Barbárie. Haveria título mais apropriado para a nossa recente história?! (Talvez, se Hobsbawm já não tivesse utilizado a Era dos extremos)
O filme é uma efusiva interpretação de Tendler, tendo sua biografia marcada pelas transformações da segunda metade do século XX. Ao longo de quase vinte anos coletou imagens, colou com tantas outras (algumas já clássicas, outras reveladoras) construindo seu grande mosaico historiobiocinematografico. Ao se colocar como personagem do seu próprio filme o diretor reivindica seu espaço como sujeito histórico se utilizando de duas grandes ferramentas de luta: cinema e memória. Através dos mais variados relatos, alguns mais dolorosos que algumas imagens, Tendler envolve nessa memória coletiva escritores, poetas, cineastas, atrizes, pessoas comuns, entre outros, pra repensar e revisar toda essa história.
Da bomba atômica à primavera de Praga, de maio de 68 às ditaduras latino americanas o filme se entrega as contradições, reviravoltas, possibilidades do nosso tempo, que por uns instântes parecem encerradas, nos deixando apenas com um revoltado palavrão na cabeça. Uma mãe anda de um lado para outro, enlouquecida pelo trágico carrega e nina seu bebê sem cabeça em meio a guerra atordoante.

Onde estamos todos nisso tudo?!
Sentado na cadeira do cinema, tonto largado em meio a tanto, sou apenas um espectador reagindo aquilo que não vivi, mas sentindo todo aquele reflexo por cada canto da minha própria história. Utopia e Barbárie nos estimula posição, ação, exige esperança, e acima de tudo, a noção de memória que tanto é repetida ao longo da película. Questões estéticas e estruturais do roteiro parecem deixadas em segundo plano em nome dessa chamada.
Augusto Boal diz que memória e imaginação são dois processos que não se separam... então quais alternativas podemos criar a partir das nossas noções sobre esse passado? Temos alguma utopia? A geração 2000, nascida na pós-ditadura, criada com a sessão da tarde agora parece ter como maior sonho justamente aquilo que foi questionado anteriormente. Beber, cair e levantar no posto de gasolina mais próximo?! O que mais temos a oferecer ao futuro da história além de pertencer a essa zona enlatada de consumo acomodado? Até mesmo o movimento estudantil parece se perder em meio a própria artilharia, repetindo equívocos que o desespero pelo poder condicionou o ato político. As trocas de acusações continuam surdando o interesse comum.
Enquanto isso os questionamentos vão ficando ainda mais apocalípticos. Socialismo renovado ou mais barbárie dominante? Ivete ou Claudia Leite? Lento processo, respostas que o filme de Tendler sabiamente não pretende se desafiar a inventar, mas sim se incorporando como provocação, reapresentando um caos nascido da insistência por mudanças.
As revoluções seguem, agora fragmentadas na porta de casa, na ponta dos dedos, na desconfiança da imagem, no sentido dos passos. Deus, Marx, Freud, Boal e tantos outros morreram e ainda não continuamos nos sentindo muito bem??
Além dessas tantas interrogações um vasto ponto de continuação nos é entregue ao som de uma caixinha de música, e basta escolher agora a dança que irá nos ajudar a preencher e reinventar de novo, novamente e mais outra vez nossa provável condição.

por: ramon coutinho

6 comentários:

Uttopya disse...

Belíssimo texto. Obrigado
Silvio Tendler

Helena Sroulevich disse...

Oi Ramon, bacana teu blog. Interessante teu texto. Fico feliz de assistir ao Silvio, através d sua obra, tocando os jovens, como nós. Às vezes, também me sinto herdeira de uma geração órfã de utopias. E sem saber muito bem a que viemos, por que viemos... Estes dias também escrevi no blog sobre o mesmo "Utopia e Barbarie" e vi bastante sinergia nos nossos pontos de vista. Legal mesmo! Saudações e que os questionamentos (muito saudáveis) permaneçam.

Marília Palmeira disse...

Oi, amon (ra)!

Imagem fortíssima essa da mãe que nina o filho sem cabeça. Para mim é talvez a imagem mais forte de todo o filme, e não a encontraremos em nenhum dos frames. Não a 'vimos', mas a compartilhamos com tanta clareza através da nossa sensibilidade humana: não é impressionante como a memória daquela mulher pode falar à nossa imaginação num plano mais forte que o individual, através da palavra?

Aguardo suas palavras cheias de imagens para a exposição ;)

Interessante ver a sua visão do filme depois de ver o filme com vc!

abraço

marília

http://aai-latinoamerica.tumblr.com/

Iara Canuto disse...

é, o filme parece um fôlego, em meio a essa cenário. mais uma vez eu me desiludindo, espero continuar acreditando, porque são poucos os que acreditam...
beijos

Anônimo disse...

Vou correndo assistir ao filme. depois eu comento aqui!!!
Legal o texto!

MeNina disse...

tenho que ver esse filme!