quinta-feira, 10 de setembro de 2009

contemplando 999


Achei graça quando Gigito disse: "Hoje é uma data de Deus!", não só pelo antagonismo ao místico e diabólico 666, mas também pela importância que as vezes damos aos números... Mesmo tão objetivos, frios, aleatórios, eles surtem efeitos tão subjetivos e viajantes.
Lembro da época que usava relógio de pulso e por inúmeras vezes ao consulta-lo flagrava uma sequência alinhada (tipo 15h 15'15''), e sempre achava que algo de insólito poderia acontecer no momento daquelas repetições.
(Uma mulher na fila do banco abre um envelope, descobre que está grávida e me abraça feliz enquanto pensa o que fará pra criar a criança, se ficará feia grávida, que nome dará, quem é aquele que ela abraça.)
Parece besta, mas era bom fantasiar sobre as várias possibilidades nessas frestas de tempo. Hoje atravessando a rua debaixo de chuva pensava nesses 9's, em seus significados. A cidade estava realmente estranha. Além da chuva repentina, ao virar a esquina da minha rua me deparei com a completa ausência de luz na hora do jogo da Seleção em Pituaçú, enquanto que em outros bairros ônibus eram queimados e módulos policiais metralhados... O futebol, a violência, o escuro, meu cabelo molhado: tudo era Salvador, tudo era nove de Setembro de dois mil e nove. Tudo era tanta coisa em um número... A vontade era de sumir um pouco! E de uma conversa no busú com uma amiga lembrei de Bauci, uma das cidades invisíveis de Calvino, que se sustentava acima das nuvens e que raramente se via seus habitantes em terra.
"Há três hipóteses a respeito dos habitantes de Bauci: que odeiam a terra; que a respeitam a ponto de evitar qualquer contato; que a amam da forma que era antes de existirem e com binóculos e telescópios apontados para baixo não se cansam de examiná-la, folha por folha, pedra por pedra, formiga por formiga, contemplando fascinados a própria ausência."
(As Cidades Invisíveis - Pág. 73)

4 Brasil, 2 Chile. A polícia prendeu 14 pessoas, viva!
É mesmo aliviante contemplar a própria ausência...

7 comentários:

Wagner Martins disse...

Perfeito! Ontem para mim foi um dia estranho, também. Aliás, faz muito tempo que não tenho um dia comum. Ontem bateu uma tristeza, uma "nada", um... sei lá! Os 9's me cansaram ontem...

Carlos Vin disse...

Muito bom o texto, cara...
Você escreve de uma forma leve, de como eu gosto de ler.

No dia 09 eu fiquei pensando, olhando para o relógio com o calendario em cima - 09/09/09 às 09:09 da manhã -"Eu de fato nunca mais vou ver isso", foi o que passou pela minha cabeça, quando deu 09:10 bateu 1 segundo de melancolia...

Um grande abraço!

Cinemanaveia disse...

É... Foi mais estranho que os dias estranhos esse 09.09.09. Havia uma fumaça de vazio, de estranhamento, de melancolia pairando no ar... Um certo tom de apocalipse nos semblantes das pessoas.
Ainda bem que ele acabou.
Beijos.
PS. Alentador esse seu texto. Adorei!

Leo Coutinho disse...

Minha melancolia aqui tem uma razão completamente distinta: meu 9/9/9 foi totalmente ordinário. Fiquei com vontade de sentir essa coisa meio: Monsieur Collignon chegando horas antes na sua mercearia, e sentindo "tem algo de podre no reino da Babilônia"... Enfim, ótimo texto carambo.

Anônimo disse...

teste

MeNina disse...

"Mesmo tão objetivos, frios, aleatórios, eles surtem efeitos tão subjetivos e viajantes." Tão bonito isso... Mesmo não gostando dela, admito que a matemática é poesia :)

...E acabou que Marilyn Manson não se matou no dia 6/6/6.

Tássia disse...

Porque nós seres humanos sempre precisamos desses marcos de passagem eim? 9/9/2009 ou ainda o ano de 2000 quando o mundo acabaria ou ainda em 11/11/11 quando todos os planetas se alinharão ao sol e blá blá blá.

Uma pena que não consiga me recordar o que aconteceu comigo nesta data, tenho uma vaga lembrança de que foi realmente um dia meio macabro, mas aposto que em algum lugar do mundo foi um belo dia de sol com crianças brincando e borboletas passeando pelos jardins