terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Ressonância (ou sobre a simples dificuldade de perceber)

A rua entra pela janela em movimentos firmes, denunciando a vida lá fora. As folhas de um pé de pau regulam a luz, esta, cambaleando va-ga-ro-sa-men-te rumo ao cômodo da minha insônia. Os pássaros consolam sem cuidado um gato que mia, abandonado.

Eu aqui, fico tonto de tanta coisa capturando minha atenção, carente de sentido. É inútil tentar domar as palavras, quando vêm em revoada, melhor torcê-las do lado avesso. Divago sobre o caminho que percorrem, silenciosas, enquanto esperam pra se derramarem bêbadas, bêbadas de adjetivos.

Uma menina que não conheço me sorri de longe vários sorrisos, me chama pra vê-la dançar num dia nublado na praia. Uma outra menina a quem desejo um bom dia, retribui, e ganha um beijo escondido... Uma terceira me embaralha as ideias, me faz procurar uma estrada pra voltar.

Parece que acabou, mas vou fingir que não. Tem tanta coisa escondida da janela pra fora, mas é só daqui que as enxergo.

por:leo coutinho

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

um testemunho do distanciamento

Quis filmar seu redor, só...

Demorou duas semanas até achar que aquilo tinha algum sentido. Foi em seu último dia que acordou antes do sol e saiu com uma câmera velha. Lentamente foi pescar imagens daquele lugar que não sabia quando voltaria a ver. Começou pela janela, daí pra grama, pros próprios pés, folhas molhadas soltas no ar, ruídos aleatórios fundamentais pro início de qualquer último dia.

Apenas através do aparecimento gradual da luz as coisas pareciam realmente revelar-se, talvez por aquele olhar ter ganhado também aos poucos uma pequena intimidade para que daí sim poder mais que ver, reparar, conceder um pedaço a mais de memória, na verdade extensão artificial onde a cena guardada em frames poderia chegar num futuro próximo a outros, olhos, impressões.

Descobriu um lago ali logo atrás onde jogou uma pedra no meio e esperou que as pequenas ondas formassem um grande alvo como se a espera do apontar certeiro da lente da câmera. Ficou pensando depois do click que poderia ser ele mesmo feito daquilo - uma imagem besta de 13 segundos – um lago qualquer que não sabia ao certo a própria profundidade, reagindo lento a uma pedra largada em seu meio.

Ia seguindo assim atrás de pequenos movimentos que nada tinham de realmente extraordinários, porém tradutores, como sintomas do que inconscientemente sentia. Um ciclista distante, uma casinha fechada... Filmou também três cães sujos caminhando juntos como se pra um encontro marcado, parando e cheirando, sempre se reagrupando. Um último cão pardo mais desinteressado no improvável encontro, se distanciando dos outros de repente percebeu (diferente do resto) aquela presença de olhos cansados... Começou a segui-lo, ele, a câmera. O cachorro agora apartado do grupo parecia quase um guia, melhor, também personagem daquela história esquisita, mesclada sob a ilusão dos sonhos, memórias e mais um pouco de tudo que não se consegue palavras pra se organizar.

Toda essa parafernália de pequenas ações captadas foram devidamente salvas e transferidas, convertidas, editadas, no entanto não tardaram a seguir a lógica que rege toda essa fatídica ordem... Em outro dia, que ainda não se sabe qual, se perderam, esquecidas sem qualquer cerimônia, viraram enfim ausência, sem futuro próximo a outros olhares. Corroídas em som e vídeo surgem agora apenas depois que tapados os olhos - sob a proteção de Mnemósine - inventando diálogos em outros formatos, caminhos.

Deixemos que tudo seja simplesmente aquilo que em essência veio ao mundo cumprir como principal função... ir-se, passar.”