Que o instante de te ver
Custou tanto penar
Não vou me arrepender
Só vim te convencer
Que eu vim pra não morrer
De tanto te esperar
Eu quero te contar
Das chuvas que apanhei
Das noites que varei
No escuro a te buscar
Eu quero te mostrar
As marcas que ganhei
Nas lutas contra o rei
Nas discussões com Deus
E agora que cheguei
Eu quero a recompensa
Eu quero a prenda imensa
Dos carinhos teus."
Antes do início da próxima música ela desligou o mp3, queria continuar com aquela, mas
Desceu no ponto seguinte quase relutante, a viagem estava boa. Percorrer os olhos pela cidade parecia deixá-la renovada, como se a velocidade pudesse subverter toda aquela insensatez atroz e corrosiva. Observava, agora devagar, a multidão que lhe envolvia, e que em outros momentos certamente lhe deixaria irritada. Seu olhar cuidadoso se perdia nos rostos, lojas, conversas, até paralisar num velho que parecia, assim como a árvore que repousava suas costas, emergir do concreto do passeio público. Com as pernas cruzadas de maneira engraçada e com um minúsculo resto de cigarro entre os dedos, o moribundo mendigo estava à deriva. Seu olhar envolto de vazio só encontrou maior justificativa ao seguir o cachorro que vinha em sua direção. Sua mão pousou na cabeça do animal e por um segundo o velho sorriu... Ao organizar aquele testemunho, ela lembrou do seu escritor preferido: "um leve momento de beleza invisível me tocou os olhos, e eu vivo, respondi, e respondo...”.
Nos segundos seguintes ela se deu conta que estava ali fazendo parte de toda a cena, sendo também o cachorro, o velho, o olhar...
e música "Sem Fantasia" - Chico Buarque